Crítica

Difícil imaginar como os executivos da Paramount e da Disney chegaram a conclusão de que Robert Altman seria o diretor certo para comandar uma adaptação de Popeye, o popular personagem de cartum e de desenhos animados. Talvez o humor demonstrado pelo cineasta em comédias como M.A.S.H. (1970) e Voar é com os Pássaros (1970) pudesse atestar aos estúdios que o caminho era esse. Ávidos por um musical de sucesso após perder a batalha pelos direitos de Annie (1982) para a Columbia Pictures, a Paramount entrou em acordo com a Disney para produzir e distribuir um longa-metragem do marinheiro que fumava cachimbo e comia espinafre. O resultado final ficou aquém do esperado, mas visto em perspectiva, guarda alguns tesouros que justificam uma conferida.

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Na trama, assinada por Jules Feiffer, Popeye (Robin Williams, em seu primeiro papel no cinema) chega ao pequeno município de Sweethaven certo de que terminará a procura de uma vida toda pelo seu pai. Ao chegar no local, o marinheiro logo se defronta com os olhares curiosos e preconceituosos dos moradores para com o forasteiro. O único local que o abriga é a hospedagem da família Palito, onde vive a atenciosa e alegre Olivia (Shelley Duvall). Ela está noiva do mesquinho Brutus (Paul L. Smith), sujeito que comanda o local e, implacavelmente, ordena impostos dos mais variados sob pretexto de atender os desejos do misterioso Comodoro (Ray Walston). Em sua estada por aquelas bandas, Popeye conhecerá o glutão Dudu (Paul Dooley), ficará responsável pelo bebê Gugu (Wesley Evan Hurt) e entenderá a importância de ingerir o até então intragável espinafre.

Popeye é uma produção das mais curiosas. Tem narrativa, personagens e senso de humor claramente voltados para uma plateia mais jovem, infantil. No entanto, é difícil imaginar alguma criança que assistiria ao filme e sairia cantando as músicas da trilha, compostas pelo instável Harry Nilsson, ou que curtiria o clima geral do longa-metragem. Isso porque, aparentemente, a produção foi realizada para que os adultos que curtiram o personagem dos quadrinhos e dos desenhos na infância tivessem um reencontro com o marinheiro. Só assim para explicar o que Robert Altman tenta realizar aqui. Como musical, pouca coisa se salva. As cenas são pouco elaboradas, as canções têm letras rasas e o talento vocal dos atores é diminuto.

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Por outro lado, quando abandona as amarras desse gênero e investe em um estilo mais cartunesco, Popeye acaba divertindo. Robin Williams poderia ser uma escolha contestável como o personagem título, mas acaba convencendo com o decorrer da narrativa, se mostrando confortável com os seus braços avantajados, seu olho fechado e o cachimbo nos lábios. Ele entende que vive um desenho animado em carne e osso e faz bem o que lhe é pedido. Mesmo que seja difícil compreender tudo o que ele fala com seus resmungos (e as legendas nos ajudam muito neste caso), sua performance cativa – ainda mais quando ele passa a dividir a tela com Shelley Duvall, uma atriz que simplesmente nasceu para interpretar Olivia Palito. Não bastasse ter o physique du role para o papel, Duvall capricha no padrão de fala da personagem, nos fazendo lembrar dos melhores momentos dos desenhos animados. Juntando-se a isso às outras certeiras escalações de Paul L. Smith como Brutus e Paul Dooley como Dudu e temos um quarteto que faz uma interessante transição dos quadrinhos para o cinema.

O elenco chama a atenção, mas não tanto quanto o desenho de produção e os figurinos. A cidadela de Sweethaven foi construída do zero em Malta para as filmagens e é um verdadeiro desbunde. Muito do orçamento foi usado para isso, inclusive, o que explica a riqueza de detalhes e como o espaço acaba virando um personagem por si só. A indumentária dos personagens é igualmente de um esmero sem igual, com recriações muito fiéis do que víamos na versão animada.

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Com tantos acertos, é uma pena que Robert Altman tenha se descuidado da narrativa, deixando-a solta demais para um longa-metragem desse gênero. Seus filmes são conhecidos pelo improviso e pelos personagens muito humanos. Em Popeye, era necessário algo mais conciso, mais direto. De qualquer forma, temos um filme com altos e baixos, mas que consegue cativar pelo humor infantil e pela lembrança afetiva sobre o clássico personagem criado por E. C. Segar.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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