Crítica

Playtime: Tempo de Diversão é um filme que continua impressionante mesmo depois de quase 50 anos de seu lançamento. Revelando uma ambição até rara de se ver em comédias, a produção dirigida por Jacques Tati conta com uma escala grandiosa para envolver o público numa narrativa complexa que mostra muito da visão de mundo do cineasta. Isso em momento algum impede o filme de divertir imensamente, sendo que ele faria uma belíssima sessão dupla com Tempos Modernos (1936).

Playtime: Tempo de Diversão não tem uma história e nem segue uma narrativa clássica. O que se vê durante o filme é Jacques Tati, basicamente usando seu famoso alterego Sr. Hulot, e um grupo de turistas americanas, em especial a bela Barbara (Barbara Dennek), para guiar o público por uma Paris ultramoderna e bem desenvolvida. A partir disso, o diretor monta a estrutura do longa inserindo os personagens em situações que ancoram comentários dele com relação à sociedade e à modernização através dos tempos.

Tais situações vêm em forma de longas setpieces conduzidas não só com inteligência, mas também com uma precisão genial, já que muitas coisas acontecem em cena e o diretor nunca perde o controle da ação, conseguindo o feito de divertir das mais diversas maneiras. Assim, vale dizer que poucas vezes os figurantes (se é que devemos chama-los desse jeito) tiveram tanta importância e foram tão bem utilizados. Seja pelos efeitos sonoros (uma pessoa caminhando chama a atenção com seus passos antes de entrar em cena) ou pelas gags visuais formidáveis (um garçom parece estar regando flores ao invés de apenas servir champanhe), o que Tati realiza aqui é absolutamente admirável em sua aula de mise en scène. Merece destaque o fato de algumas piadas se estenderem criativamente no meio de tudo isso, como quando o Sr. Hulot quebra a porta de vidro de um restaurante e os funcionários tentam manter as aparências, fingindo que nada aconteceu, desencadeando momentos divertidíssimos. Aliás, a sequência do restaurante é o ápice da narrativa, durando quase toda a segunda metade do filme e fazendo rir com a loucura que toma conta do estabelecimento.

Se tudo isso diverte, em parte se deve ao fato de Jacques Tati apontar como há coisas absurdas ao nosso redor e até mesmo na nossa forma de agir, tornando fácil o processo de identificação do público com o que é colocado na tela. Aqui também é impossível não destacar o excepcional design de produção. Quando o diretor foca uma sala envidraçada enorme num prédio comercial e a decora com poucos quadros e móveis, é como se ele dissesse que as pessoas têm a ambição para pensar em grande escala mesmo não tendo conteúdo suficiente para preencher isso. Já o restaurante até pode ter uma aparência chique que irá atender apenas os ricos, mas, à medida que avançamos e o lugar vai expondo sua verdadeira face, percebe-se que aquilo é madeira, tijolos e cimento, como em qualquer outro lugar. As pessoas se vestem para adequar-se àquele espaço, mas no fim fazem uma festa incrivelmente caótica.

Há uma sequência em Playtime: Tempo de Diversão que mostra quatro apartamentos que parecem verdadeiras vitrines para o público abrir um sorriso enquanto pratica voyeurismo, sendo que Tati filma os moradores como se eles próprios conseguissem entreter uns aos outros com o que fazem (outra ótima gag visual). Isso passa a ideia de que as pessoas gostam de se divertir conferindo a vida dos outros. Considerando que essa obra-prima usa seu grande universo e a rotina de seus habitantes para nos fazer rir, esse é um momento que a define muito bem. Como o próprio título original (ou o subtítulo que ganhou aqui no Brasil) indica, este é um perfeito tempo de diversão.

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é crítico de cinema, formado em Produção Audiovisual na ULBRA, membro da SBBC (Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos) e editor do blog Brazilian Movie Guy (www.brazilianmovieguy.blogspot.com.br). Cinema, livros, quadrinhos e séries tomam boa parte da sua rotina.
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