Crítica


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Sinopse

Daniel é um motorista de táxi casado com Adalgisa. Quando ela começa a fazer cinema, é proibida por ele de ver o filho, Joaquim . Durante mais de uma década o homem nutre um sentimento de vingança contra a ex-mulher.

Crítica

Daniel (José Mayer) é um motorista de táxi com dificuldades para pagar as prestações do automóvel, por isso dirige à noite, mesmo sob os protestos de sua mulher, Adalgisa (Christiane Torloni), que reclama de solidão. Homem de poucas palavras, de temperamento difícil, quando não agressivo, ele mata dois assaltantes que ameaçam levar seu ganha-pão. Perfume de Gardênia parece ser um daqueles filmes em que a culpa vai corroer o protagonista, levando-o a cometer uma grande bobagem ou a sucumbir aos desmandos da consciência. Esse viés, porém, empalidece até quase desaparecer quando o cinema entra abertamente na trama, mais especificamente assim que a sétima arte proporciona emancipação à esposa até então subjugada pela conduta autoritária do marido. Contratada para fazer ponta numa filmagem, Adalgisa cai nas graças do diretor, sendo assediada para novos projetos. Entre a realidade e a ficção, prefere a segunda, abandonando a vida pacata no âmbito doméstico.

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O cineasta Guilherme de Almeida Prado demonstra aqui uma queda vertiginosa pelo melodrama. As contendas familiares estão no núcleo dessa exposição que se vale de rompantes emocionais, frustrações lançadas como projéteis, paixões exacerbadas, desencontros e crimes passionais. O salto temporal que mostra Quim (Walter Quiroz), o filho do casal, já adulto propicia também uma nova disposição às demais peças centrais do enredo. Adalgisa agora é uma artista famosa, que alterna trabalhos em filmes eróticos de horror e participações num programa de televisão. Daniel continua guiando seu táxi, amargurado pelo transcorrer dos anos em que não conseguiu superar completamente a imagem da ex. O garoto descobre que a mãe ainda está viva e decide procurá-la. Perfume de Gardênia padece, e bastante, pelo excesso de reviravoltas, cujo efeito colateral mais sensível é a dispersão decorrente de cada novo elemento adicionado na trajetória errática dos personagens.

Há constantes homenagens a O Bandido da Luz Vermelha (1968) durante o filme. A mais recorrente delas é a narração radiofônica que informa Daniel a respeito da criminalidade cotidiana na capital paulista, alusão ao recurso utilizado por Rogério Sganzerla para conduzir sua obra-prima. Helena Ignez e Paulo Villaça, intérpretes dos protagonistas no longa-metragem sessentista, fazem em Perfume de Gardênia uma ponta afetiva, na pele dos marginais que tentam roubar Daniel no início e acabam se dando mal. Sérgio Mamberti reprisa o papel do espalhafatoso passageiro que não para de falar e de gesticular no banco de trás do táxi. Infelizmente são apenas citações, sem qualquer reverberação no plano narrativo, ou seja, não há ecos do libertário Sganzerla na condução, embora apaixonada, tortuosa de Almeida Prado, autor que congestiona informações tratadas pretensamente como azes em sua manga.

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De determinado ponto em diante, Daniel passa a assumir a autoria de todos os crimes que acontecem ao seu redor. Não sabemos bem se isso faz parte de um plano ou se é sintoma patológico de sua obsessão. Enquanto isso, a aproximação entre Quim e Adalgisa tem momentos interessantes, nos quais a tensão do pai se reflete na conduta “hereditária” do filho. Perde-se um tempo valioso reiterando a necessidade de Daniel mostrar-se culpado, sem qualquer variação que justifique a reincidência. O texto e as interpretações engessados colaboram para o clima artificial que gradativamente se instaura. Se, por um lado, o filme transborda a paixão de seu criador pelo cinema, por outro, falta-lhe estofo para transcender sua vocação para o mero pastiche. Drama familiar com pitadas de suspense investigativo, além de ode à magia permitida pela câmera, Perfume de Gardênia almeja um pouco de tudo, entretanto não consegue lidar totalmente com seu próprio potencial.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Ailton Monteiro
7
MÉDIA
5.5

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