Paz Para Nós em Nossos Sonhos
Crítica
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Sinopse
Em um dia de verão, um homem, sua atual companheira e sua filha chegam à sua casa de campo para um final de semana. Após a morte de sua mãe, a jovem de 16 anos mora com o pai, que pouco lhe dá atenção. Ele, por sua vez, está cansado de sua rotina diária de trabalho e não sabe mais como encontrar forças para continuar a viver. Sua mulher, uma violinista sem qualquer prazer pela vida, está confusa sobre o que deve priorizar: a música, o amor ou sua carreira. Apesar do amor que sentem um pelo outro, o relacionamento dos três está à beira de um colapso.
Crítica
É por meio dos olhares que os personagens verdadeiramente se expressam em Paz Para Nós em Nossos Sonhos, filme do lituano Sharunas Bartas. Os gestos também dão conta, em certa medida, de transmitir o complexo estado de espírito que não encontra veículo adequado nas palavras. A violinista (Lora Kmieliauskaite), que tem uma crise nervosa após errar notas numa apresentação qualquer, é casada com um homem, interpretado pelo próprio Bartas, tão introspectivo quanto ela. Durante uma conversa truncada, indicio dessa dificuldade de interlocução que permeia todo o longa, ele decide passar alguns dias na casa de campo, em meio à natureza, para dissipar os problemas num cenário favorável à paz. A filha adolescente, vivida por Ina Marija Bartaité, vai junto, carregando um semblante pesado, fruto das muitas questões intrínsecas à transição entre a infância e a vida adulta. À beira do lago, os três vagam sem grandes objetivos, senão o de mitigar as dores.
O bucolismo da locação auxilia na criação de uma atmosfera propícia ao acolhimento dessa gente que não consegue esconder suas inadequações. A esposa, curiosamente uma das únicas pessoas em cena que não possui olhos claros, demonstra estar próxima de um colapso emocional, pois infeliz nas esferas íntima e profissional. A falta de comunicação com o marido ensimesmado adensa ainda mais essa sensação opressora, algo que ela busca diminuir com as andanças pelo lugar. Sintoma disso é a bonita passagem dela nadando nua, em comunhão com a sapiência da natureza, como que para extrair da mesma as respostas vitais. A família local, introduzida adiante na trama, é um reflexo da forasteira, porque, embora envolta em problemas de origens distintas, padece de semelhante desconforto existencial, de uma entropia sentimental que evidencia o caos dos laços.
A câmera de Bartas testemunha tudo com um misto de resignação e piedade, deslizando por entre os sofredores para estabelecer os aspectos comuns de suas angústias, sem delinear culpados e inocentes. Em dado momento, aqueles que desempenham papeis parecidos dentro das dinâmicas familiares se aproximam, mantendo diálogos aparentemente desimportantes, às vezes até banais e destituídos de maiores propósitos, mas bastante reveladores. Nessas sequências, cada um, sem exceção, é confrontado pela própria imagem cristalizada no outro, projetada numa superfície distorcida que paradoxalmente expõe a sua verdade. Paz Para Nós em Nossos Sonhos nos convida à contemplação das tentativas alheias de vencer terrenos movediços, sobretudo no que tange aos relacionamentos e às formas de encarar a necessidade de ser alguém ou de atender a determinadas expectativas.
A narrativa parcimoniosa de Paz Para Nós em Nossos Sonhos é construída com precisão, calcada fortemente nas expressões faciais, na convivência entre o afeto e a violência. Numa das únicas ocasiões em que a palavra logra êxito em se libertar das amarras, pai e filha debatem a respeito da origem do mal, relativizando a convenção segundo a qual do crescimento é que decorrem as áreas sombrias. O diretor Sharunas Bartas deflagra um status dominante, contudo sem prejudicar a singularidade dos personagens, evitando fazer deles meras figuras de linguagem num esquema demasiado abstrato. O tiro que abrevia um episódio tenso, o bate-papo mediado pela escuridão e as eloquentes trocas de olhares são instâncias análogas, a despeito da suposta disparidade, recursos dos quais os protagonistas (não há coadjuvantes) lançam mão para transpor barreiras comuns e impiedosas.
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