Crítica

É muito fácil confundir “bom filme” com “boas histórias”, “bons personagens” ou qualquer um dos outros elementos que, somados, formam uma obra por completo. A pessoa vai assistir a um longa sobre uma cantora, por exemplo, e como gosta das músicas dela – e essas estão por toda a trama – sai da sessão cantarolando as mesmas e achando que o que acabou de ver é ótimo, sem parar para refletir sobre a estrutura dramática, as escolhas da fotografia, se a edição foi elaborada ou não... enfim, se no conjunto o resultado ainda assim é positivo, além daquilo que, como fã, já esperava encontrar. Em filmes com forte carga religiosa em seu discurso acontece o mesmo. O curioso é que é raro encontrar uma produção do gênero que consiga se distanciar de todas as obviedades que tal temática engloba para criar algo novo, instigante e original. Exatamente os pontos em que esse Para Sempre falha ao apresentar como resultado um produto previsível, com atuações canhestras e uma direção praticamente invisível, que se esconde por trás de frases feitas e efeitos rasos de cunho dramático, cujo único objetivo é forçar reações no espectador que, sob outra forma, nunca seriam alcançadas.

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O subtítulo original é The Michael Boyum Story, ou seja, já revela se tratar de uma adaptação de um episódio real. O formato, no entanto, é daqueles telefilmes exibidos à tarde preocupados apenas em entreter donas de casa entediadas. Michael Boyum (Stephen Anthony Bailey, cujo melhor crédito anterior é como “passageiro de trem” em Controle Absoluto, 2008) é um jovem rapaz que tem, aparentemente, tudo: uma família amorosa, irmãos que são grandes companheiras, é admirado na escola e em atividades esportivas e é namorado da garota mais apaixonada que já conheceu. Um cenário tão perfeito, no entanto, parece destinado a acabar. E o princípio do fim chega com uma dor de cabeça, que, após alguns exames, se revela ser uma forma bastante agressiva de leucemia. É recomendado que o tratamento tenha início imediato, e assim começa sua rotina hospitalar.

As reações, neste ponto, são apenas duas: todos aos seu redor se entregam ao pranto desesperado, enquanto ele próprio decide estampar um sorriso inabalável no rosto. Sua justificativa? Fé. Acredita em Deus acima de qualquer coisa, e sabe que tudo é uma lição a ser aprendida, e que não há mal que não possa ser superado. Bom, como a vida insiste em reafirmar, não é bem assim. Exatamente como foi o caso dele. Antes de ser um spoiler – afinal, ele foi diagnosticado com uma doença incurável e, além disso tudo, se trata de uma história verídica, da qual qualquer um mais interessado pode ficar a par do seu desfecho em instantes – sabe-se de antemão que seu final não será feliz. Talvez para justamente driblar a ausência deste, força-se as mensagens que tal episódio pode ter gerado como consequência nas vidas dos demais envolvidos. Mas qual o significado dessas ações se tudo é retratado do modo mais simplista possível? O processo no protagonista, por exemplo, não vai além de uma cabeça raspada – segue se movendo e interagindo com os demais como se nada lhe acontecesse. Falta veracidade, profundidade e uma ligação maior entre o que é dito e as ações desenvolvidas.

Os problemas de Para Sempre começam a partir do ponto de vista escolhido para sua narrativa: o da namorada, Michelle Larson (Madison Lawlor, tão inexpressiva quanto o resto do elenco). Ela decide relatar tudo em off, como se além do que é visto em cena, das luzes quase sempre celestiais e dos enquadramentos que tentam enaltecer cada personagem, ainda fosse necessário explicar de forma mais detalhada todo evento ocorrido, subestimando a perspicácia da audiência. Quanto ao enredo, há poucas surpresas: uma vez internado, Michael até terá algumas eventuais recuperações, que, no entanto, serão rapidamente seguidas por recaídas. Mesmo diante situações tão adversas, o casal decidirá por momentos de alegria – quando decidem se casar, por exemplo – enquanto outros, ao redor deles, revelam suas fraquezas – como o irmão mais velho dele, que começa a se sentir rejeitado pela família (“ninguém percebeu que saí do time de futebol”, reclama...), e por isso decide se matar. Como se desgraça pouca fosse bobagem.

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Michael Linn construiu sua carreira trabalhando em produções de baixo orçamento, voltadas para o mercado de homevideo e televisão. Profissional múltiplo, costuma assumir diversas funções em cada um dos seus lançamentos – aqui, além de diretor e roteirista, aparece também como editor, compositor e até mesmo ator! Ao se dividir em tantos, fica clara sua falta de especialização em uma ou outra atividade. Para Sempre é o resultado de um esforço medíocre de contar uma história que pouco tem de incomum – doentes existem aos milhares e em todo o mundo, infelizmente – e tudo o que propõe de diferente é uma visão doutrinadora e superficial de um cenário artificial e quase desprovido de falhas, em que uns servem apenas para ensinar suas pretensas verdades aos demais. E quando não há questionamento, dúvida ou contraponto, a primeira vítima é a própria arte. Sem essa, portanto, é o cinema a maior das vítimas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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