Crítica


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Sinopse

Clint é convocado a fazer a autópsia de um cadáver desconhecido e constata que a causa da morte foi peste bubônica. Depois de comunicar às autoridades, ele terá 48 horas para descobrir de onde veio esse sujeito contaminado.

Crítica

O que significaria salvar uma vida, se a vida, em si, não importasse? A tensão que prende o espectador na cadeira durante a hora e meia de Pânico nas Ruas é grande, mas seria ela recompensada caso o thriller não fosse construído sobre as personalidades de seus personagens? A verdade é que, ainda que concentre todo seu enredo na busca do Dr. Reed (Richard Widmark) pelo paciente zero de uma possível epidemia de peste pneumônica, o filme de Elia Kazan cativa mesmo é pela maneira como a investigação afeta os diversos envolvidos.

Sem perder tempo, o longa nos leva a conhecer a primeira vítima da doença e também o médico/protagonista que iremos acompanhar, assim como as nuances de sua rotina. E note como são importantes as sequências em que Kazan se demora enfocando as relações familiares. Atente ainda mais para a economia da direção que jamais chega a trazer o filho do protagonista de volta à trama, mas que faz sua presença ser sentida como se ele fosse parte do elenco principal, tamanho o amor que o pai lhe dispensa. Reed, entretanto, logo se vê às voltas com o Capitão Tom Warren (Paul Douglas), com quem entra em conflito devido à descrença do militar a respeito da gravidade da epidemia. Paralelo à investigação da dupla conflituosa, acompanhamos um criminoso chamado Blackie (Jack Palance, enérgico e bastante jovem), crente que o homem que ele matou, um imigrante ilegal - o primeiro infectado -, trouxe consigo algo valioso que pode fazê-lo muito rico.

Primeiramente, Kazan se concentra nas intermináveis discussões entre Reed e Warren, intensas por conta das performances de seus intérpretes.  O processo de formação da amizade entre os dois oficiais é instigante. Reed é um homem de família, com esposa, filho e emprego respeitável. Warren é um viúvo sem herdeiros, cujo trabalho se baseia em resolver problemas de outras pessoas. Do ponto de vista dramático, é bonito ver quando as duas visões se chocam, Reed encarando a doença como uma possível tragédia nacional e o Warren levando o caso como apenas mais um dos incontáveis sobre sua mesa. Interessante como é possível entender ambos os homens, embora o filme claramente tome o partido do médico.

A relação entre os dois, porém, pode tomar rumos ainda mais profundos se analisarmos não só a carreira de Kazan, cujo currículo inclui obras humanamente complexas, mas também a disposição de elementos no roteiro e na trama. “Você acha que está na Idade Média?”, ralha o protagonista em determinado momento com um policial. “Não existem comunidades, o mundo todo é uma comunidade agora!”, prossegue. Inflexivelmente crente de suas suspeitas, Reed adota uma postura quase fanática e, portanto, é curioso que o personagem faça tal afirmação em relação justamente a este período da História da humanidade, em que primeiramente se disseminou a tal Praga que agora ele busca tão febrilmente suprimir em Nova Orleans. Novamente em contraponto, Warren se mostra constantemente cético, recusando-se a acreditar em algo que não seja uma pista factível. Mais uma vez, então, é curioso, neste caso, o Doutor representar a tal instituição da família sempre tão associada ao tradicionalismo religioso, e que o Capitão seja um indivíduo solitário, triste e pessimista, condições que exaltavam os cientistas que então descobriam as dimensões do universo e tentavam infundir a inexistência de uma força maior. A fé positivista de um, contra a fria razão científica do outro. Um conflito tão antigo quanto... a Idade Média. Não por acaso, claro.

Visto assim, Pânico nas Ruas, apesar de dar preferência à causa de Reed em seu desenrolar, sugere com seu desfecho um equilíbrio entre as forças: o primeiro descobre ter sido relapso em relação à família que tanto quisera proteger – isso apontado por um ser comum, ou seja, um representante do público – e o segundo encontra certa alegria em voltar a cuidar de casos triviais depois de lidar com um tão perigoso. Uma discussão válida, numa obra com ótimas sequências de tensão, encerrada de maneira admirável e vinda das mãos do polêmico Elia Kazan que, logo em seguida, viria a dirigir o impecável Uma Rua Chamada Pecado (1951).

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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