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Sinopse

Em Boston, um pai de família deve lidar com o desaparecimento de sua filha e de um amigo dela. Quando suspeita que o detetive encarregado das buscas já desistiu de procurar pelo culpado, ele, desesperado, passa a desconfiar de todas as pessoas ao seu redor. Fazendo sua própria investigação, acaba encontrando o principal suspeito e decide fazer justiça com as próprias mãos.

Crítica

Há um forte sentimento religioso que percorre toda a ação de Os Suspeitos, thriller que marca a estreia em Hollywood do diretor canadense Denis Villeneuve, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pelo intenso Incêndios (2010). Antes mesmo da primeira imagem ganhar forma já ouvimos um dos protagonistas sussurrando uma reza, quase que para si mesmo. Outros elementos, como um padre em desgraça, a ausência de familiares queridos e o cego fanatismo que alguns crentes desenvolvem estão posicionados estrategicamente pois mais de 153 minutos, tempo que a trama leva para cumprir o seu desenvolvimento e entregar ao espectador uma obra adulta, nunca fácil, porém madura o suficiente para entender que os questionamentos apontados não apenas são válidos, como também farão diferença no aproveitamento desta história, independente de qual lado da tela se esteja.

A família Dover não vive de abundâncias – o pai é severo no controle, o filho adolescente precisa trabalhar durante o verão para conquistar suas coisas – mas, ao menos à princípio, é feliz. Os encontramos pela primeira vez no feriado de Ação de Graças, quando são convidados a aproveitar o dia na companhia do casal Birch e suas duas filhas. Os dois núcleos familiares, ambos compostos por quatro pessoas – pais e filhos – estão juntos para agradecer o amor, a amizade, a vida que os unem. Mas entre um jogo e uma refeição, um momento de descontração e um cochilo, as duas crianças – a filha menor de cada um dos casais – saem para brincar na rua, e simplesmente desaparecem. Onde foram parar, não sabem. O desespero se instaura, e a aparente felicidade que até então dominava suas percepções se desfaz em instantes.

É quando entra em cena o Detetive Loki (Jake Gyllenhaal), encarregado de atender o chamado de socorro. Após algumas perguntas iniciais, surge o primeiro suspeito: Alex Jones (Paul Dano), o rapaz que vive num antigo motorhome – e que estava, por sinal, estacionado próximo à residência dos Birch. Mas o garoto é deficiente mental, vive com uma tia idosa, e pouco colabora com a investigação. Estão todos cegos, sem saber para onde ir, para qual lado seguir. É quando Keller Dover (Hugh Jackman), o pai provedor, perdido por estar, talvez pela primeira vez na vida, sem saber o que fazer, parte para uma atitude drástica. A violência surge no centro de um ambiente que até então era tomado por gentilezas, carinhos e afagos. E todos os tomados pela dor, de uma forma ou de outra, serão arrastados por esta decisão. Quer queiram ou não.

Villeneuve não tem pressa em sua narrativa. As pistas estão por todos os lados, muitas delas falsas, e diferenciá-las daquelas que irão nos conduzir a algum lugar válido é missão tanto dos espectadores quanto dos personagens. Em Os Suspeitos, mais do que todos serem possíveis culpados, são ainda mais prisioneiros (título original do filme) de uma situação que fugiu do controle e poderá nunca mais ser consertada. Este não é, definitivamente, um filme fácil de ser assistido. Pelo contrário, é incômodo, sofrido, impertinente. Mas concreto, que se justifica acima dos distúrbios provocados. As respostas não serão fáceis, e algumas nem serão dadas. Mas o que está por trás delas, aquela fé que move montanhas, que mais atrapalha e prejudica do que salva, é que está no centro da discussão. E somente a partir do momento em que são enfrentadas de frente, de peito aberto, é que algo real poderá ser feito para combatê-la.

Os Suspeitos não seria um grande filme sem o excelente elenco que o defende. Hugh Jackman pode ser o nome mais conhecido, e só o fato de se dedicar a um personagem tão distante do tipo que usualmente interpreta já merece destaque. Mas quem surpreende é Jake Gyllenhaal, que constrói um policial maníaco, com tiques e nervosismos, mas ainda assim competente e dono do seu ofício. Os embates que os dois travam, ambos com o mesmo objetivo, porém com métodos diferentes, são eletrizantes. Mas há mais, desde a vencedora do Oscar Melissa Leo (em participação pequena, porém hipnotizante) como o geralmente ótimo Dano, que ao viver um ser tão dúbio e misterioso mantém a audiência o tempo todo em dúvida.

São estes nomes – além de outros, na frente e atrás das câmeras – os responsáveis por fazer deste um filme forte, que provoca e instiga na mesma medida. Denis Villeneuve consegue, com Os Suspeitos, mostrar que é possível refletir sobre questões tão universais – como fé e religião, ética e moral, justiça e confiança – a partir de algo tão simples quanto o fato de se estar – ou não mais – em um determinado lugar. Assim como a própria vida, em que tudo pode mudar com um simples estalar de dedos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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