Crítica

Fundado em Oakland, na Califórnia, o Partido dos Panteras Negras foi um grupo muito controverso que lutou pelos direitos dos negros nos anos 1960. Apoiados na constituição estadunidense, que permitia ao cidadão sem ficha criminal andar armado, eles saíram às ruas portando espingardas e revólveres para intimidar o preconceito e, sobretudo, a brutalidade policial com os cidadãos de cor. Esses militantes contra o racismo ganharam adeptos e respeitabilidade, chamando a atenção da mídia e de outros setores da sociedade. Os Panteras Negras: Vanguarda da Revolução busca traçar um painel amplo do partido, sem condescendências ou glorificações artificiais. A maioria dos entrevistados é ex-panteras. Mesmo assim, a celebração dá lugar, muitas vezes, ao sempre bem-vindo viés crítico que relativiza determinadas ocorrências e comportamentos.

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O que começa como resposta extremada e quase instintiva aos recorrentes casos de discriminação nas ruas de Oakland, rapidamente ganha outras cidades. A expansão torna o Partido dos Panteras Negras uma voz verdadeiramente ativa na luta por direitos iguais. O diretor Stanley Nelson ouve combatentes, na época jovens que carregavam o idealismo numa mão e a arma na outra, hoje homens e mulheres cheios de marcas. Os depoimentos dão conta de reconstruir o itinerário que permitiu aos Panteras forte representatividade, tornando-se, inclusive, pela força política cada vez mais evidente, uma pedra no sapato do governo. J. Edgar Hoover, então diretor do FBI, conhecido pelas práticas severas e nem sempre ortodoxas para alcançar seus objetivos, perseguiu o grupo, por ele considerado terrorista e ameaçador à integridade nacional.

Os Panteras Negras: Vanguarda da Revolução problematiza aspectos do movimento. O tímido contraponto oferecido pelos policiais aposentados mostra que não há muita disposição de ouvir literalmente o outro lado. Entretanto, o filme apresenta fatos que expõem por si as contradições e as dificuldades eventualmente surgidas no cerne desse levante. Os Panteras Negras são vistos como responsáveis por devolver o orgulho negro, instituindo, voluntária ou involuntariamente, até mesmo uma estética amplamente copiada. Se antes as meninas tinham vergonha do cabelo enrolado, o black power pediu passagem após a luta armada tomar as ruas norte-americanas. Vistos como bandidos por parte da população, os Panteras, contudo, tiveram apoio de muita gente, de diversas etnias. Não eram raros os brancos empunhando cartazes favoráveis à soltura de líderes do partido injustamente detidos. A mensagem era de integração, não de exclusão.

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Depõe contra Os Panteras Negras: Vanguarda da Revolução a longa duração e a ligeira reiteração. Mesmo assim, o filme é um documento importante para conhecermos e/ou entendermos com mais profundidade esse grupo que oscilou entre a luta armada e a filantropia para garantir que todos os homens possuíssem direitos iguais, não sendo segregados em virtude da cor da pele. Vaidades, divergências e outros problemas, sendo o principal deles a engenhosa articulação do FBI, ocasionaram o desmantelamento dos Panteras Negras, o fim de um capítulo importante da História. O longa de Kramer constrói um panorama multifacetado dessa agitação que provocou abalo significativo. Além de uma homenagem não hagiográfica, mostra a falta de escrúpulos do Estado quando o assunto é defender a permanência do status quo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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