Crítica

Lançado em 1972, Os Machões é mais um de tantos exemplares da pornochanchada que, quando colocados sob a ótica atual, são difíceis de apreciar. Naquela época, não existiam muitos problemas em apresentar mulheres como objetos ou diminuir homossexuais por sua sexualidade, dois pontos cruciais no roteiro deste longa-metragem dirigido e estrelado por Reginaldo Faria. Claro que crucificá-lo por ser um retrato da época seria injusto, visto que estamos falando de uma obra que representa corretamente aquele período. No entanto, ter isso em mente não deixa o filme mais prazeroso de se assistir automaticamente.

Na trama, os amigos Didi (Faria), Teleco (Erasmo Carlos) e Chuca (Flávio Migliaccio) estão na pior, buscando uma forma de pagar o aluguel e viver da forma mais folgada possível. A história do trio muda quando conhecem Denis (Márcio Hathay), um cabeleireiro gay que ganha uma boa grana trabalhando para madames da alta sociedade. Observando uma oportunidade de conhecer mulheres ricas, os três decidem fingir serem gays para trabalhar no lugar. Cada um passa a atender suas clientes e tem sucesso de formas diferentes. Didi atende a rica Madame Ribeiro (Neuza Amaral), mas acaba se apaixonado por sua filha, a intempestiva Ana (Kate Hansen); Teleco vira massagista e começa a atender cada vez mais mulheres, fazendo com que ele seja obrigado a procurar afrodisíacos para continuar no negócio; e Chuca, em um período de seca sexual perene, se encanta pela sua cliente Dulce (Tânia Scher) que, por sua vez, não acredita que seu cabelereiro possa ser um homem de verdade.

Episódico, Os Machões desperdiça a química entre o trio principal, deixando cada um ser o protagonista de seus próprios segmentos. Logo de início percebemos a força que aqueles três atores têm juntos e é uma lástima que tenhamos tão pouco tempo com os amigos reunidos. De qualquer forma, temos boas performances. Reginaldo Faria é o galã protagonista, mas é ofuscado por Erasmo Carlos, que acabou vencendo diversos prêmios pela sua performance como o másculo Teleco – dentre eles, o prestigiado louro da APCA. Ainda assim, quem realmente chama a atenção é Flávio Migliaccio, com sua divertida atuação como o perdedor Chuca. Seus momentos em que simula afetação lembram relances de Quanto Mais Quente Melhor (1959). Márcio Hathay é uma presença interessante, mesmo que viva um clichê ambulante. É bom lembrar que, para a época, ter um personagem abertamente gay era algo pouco usual e, quando utilizado, a versão mais colorida e afeminada era a escolha óbvia. Portanto, vê-lo em alguns momentos sofrendo por uma paixão não correspondida dão um peso que a atuação de Hathay consegue carregar.

Mesmo sendo um produto legítimo do nosso cinema brasileiro, Os Machões bebe na fonte e antecipa alguns tópicos vistos na Nova Hollywood, movimento iniciado em 1967. A montagem de Rafael Justo Valverde pega emprestadas características de Sem Destino (1969), como as piscadas repetidas em transições de cenas, e a temática de um salão de beleza habitado por garanhões é curiosamente um prenúncio do que veríamos em Shampoo (1975) três anos depois, estrelado por Warren Beatty. Qualidades técnicas como a direção de arte esmerada são alguns pontos que devem ser destacados dessa produção capitaneada por Reginaldo Faria, em seu terceiro filme como diretor – Os Paqueras (1969) e Para quem Fica, Tchau (1971) são seus anteriores.

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Tendo envelhecido mal, Os Machões acaba sendo um retrato de época importante, mas de difícil fruição nos dias atuais, principalmente pela sua temática. Felizmente, para cada momento de gosto duvidoso, ainda temos boas atuações e a música certeira dos amigos Erasmo e Roberto Carlos, que assinam a trilha sonora do longa. Mundo Cão é um ótimo tema musical e embala boa parte deste curioso polaroid da década de 1970.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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