Crítica

A adaptação nacional para o título L’Homme qu’on Aimait Trop (que, numa tradução direta, significa O Homem que Também Amava) pode acabar passando uma ideia equivocada a respeito deste longa do diretor André Téchiné. Afinal, O Homem que Elas Amavam Demais passa inegavelmente a impressão de se tratar de um Casanova, um bon vivant que passa pulando de uma cama para outra. Não que esse não seja o caso de Maurice Agnelet (Guillaume Canet). Porém suas conquistas aqui tem um objetivo muito claro: ambição financeira. E se Agnès (Adèle Haenel) acaba sendo sua maior vítima, Renée (Catherine Deneuve), ao invés de cair em sua conversa, se torna sua principal opositora. Tanto que o título em inglês In The Name of my Daughter (Em Nome da Minha Filha), ainda que mais objetivo, acabe fazendo mais sentido.

Inspirado no caso real da família Le Roux, de tradição no trabalho com jogos de azar no sul da França, O Homem que Elas Amavam Demais começa sua trama em 1976 na cidade de Nice, quando Agnès, após se separar do marido, decide retornar a sua cidade natal para ficar próxima da mãe, Renée. Ela deseja, também, ter sua parte na herança do pai, para, assim, poder recomeçar sua vida. Acontece que a matriarca está envolvida até o pescoço em problemas de má administração do principal cassino da família, e não tem como dispor do dinheiro com tamanha agilidade. Enfrentando oposição entre os próprios sócios e empregados, ela tem ao seu lado apenas o advogado, Maurice. Mas sabe, também, que o apoio desse é apenas questão de para qual lado o vento está soprando – afinal, a fidelidade dele é tão forte quanto a influência que exerce nos negócios.

Quando Maurice tem seus planos de rápida ascensão barrados pela cliente, ele se volta para a filha dessa. Assim, mesmo casado e com amante, ele consegue conquistar a atenção de Agnès. E ela, que no início parecia segura e dona de si, acaba caindo irreversivelmente no charme dele. A ponto de trair as intenções maternas na empresa e abrir mão dos seus bens em nome do novo amor. Mas, quando ela passa a ser desprezada, a crise começa. Uma tentativa de suicídio acontece, e, na sequência, a garota desaparece. Onde ela está? O que lhe aconteceu? E qual o envolvimento dele neste sumiço? Questões que ficaram sem resposta por décadas, e das quais Renée parece não estar disposta a desistir.

Quem conhece a obra de André Téchiné sabe que ele é um cineasta mais preocupado com seus personagens do que com os acontecimentos que os movimentam. O mesmo se repete em O Homem que Elas Amavam Demais, porém não de modo tão satisfatório quanto poderia ser esperado. Deneuve, musa do diretor – este é o sexto trabalho dos dois juntos – tem uma participação empolada demais, quase como de uma coadjuvante de luxo, e se nos momentos em que as atenções se voltam a ela o filme parece crescer, da mesma forma carecemos da sua presença em todo o resto da trama. Canet é um realizador de respeito no atual cinema francês, mas ainda precisa mostrar mais versatilidade enquanto intérprete. E Haenel, que tão bem estava no recente Amor à Primeira Briga (2014), aqui revela inabilidade em trabalhar as nuanças de seu personagem, indo do enérgico ao frágil sem degraus.

Em determinado momento do filme, Maurice afirma que nunca pediu para ser amado, pois não sabe como retribuir. Ninguém parece atender o seu pedido, ainda que sinais de confiança e entrega sejam dados pelas mulheres ao seu redor, as quais recebem como retorno apenas descaso e mentiras. O drama de tribunal, que parece ser o mais chocante, ocupa apenas os minutos finais da história, já com os intérpretes presos a uma maquiagem pesada e agressiva. E com dois ou três núcleos narrativos se desenvolvendo quase que simultaneamente, perde-se o foco da ação durante a maior parte do tempo. No fim, O Homem que Elas Amavam Demais parece ter elementos demais e, mesmo que acertados, falta a eles uma liga que os justifiquem lado a lado. É um filme dono de méritos isolados, mas que no conjunto fica devendo tanto como registro histórico quanto em suas intenções autorais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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