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Sinopse

Moisés lidera os escravos para fora do Egito através do Mar Vermelho. Ele foge do exército de seu irmão Ramsés.

Crítica

Os Dez Mandamentos: O Filme, primeira produção da Rede Record voltada para o cinema, é mentirosa em tantos níveis que chega a ser surpreendente e complicado decidir por onde começar a elencar os seus problemas. Vamos, portanto, pelo óbvio. Pra começar, o título já é um engano. Pois ao contrário de produções como Sex and the City: O Filme (2008) e ou Vai que Cola: O Filme (2015), que partiram de um produto televisivo – seja estrangeiro ou nacional – e criaram uma história nova, apenas aproveitando os personagens já familiarizados com o público, o longa assinado por Alexandre Avancini (filho do saudoso Walter Avancini e cuja carreira abrange títulos como as novelas Uga Uga, 2000, e Os Mutantes, 2008) nada mais é do que uma mera reedição apressada da telenovela exibida poucos meses antes pela emissora. Ou seja, o mais honesto seria Os Dez Mandamentos: O Compacto, tão emocionante quanto as versões reduzidas que vemos dos desfiles das escolas de samba ou de jogos de futebol.

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Alçado ao posto de maior sucesso do cinema nacional dos últimos tempos, chegou às telas com mais de 3 milhões de ingressos vendidos em sistema de pré-venda. Porém, quando finalmente começaram as exibições, o que se presenciou foram sessões vazias, com exceção de poucas localidades (São Paulo e Nordeste, em especial, lugares de maior população evangélica). Onde foram parar todos esses convites comprados, portanto? A dúvida, mais do que justa, tem apenas uma explicação: inflou-se uma realidade falsa, com pastores e apoiadores da Igreja forçando algo que não encontrava contrapartida na realidade. Assim, Os Dez Mandamentos é, de fato, um campeão de bilheteria, porém está longe de ter obtido o mesmo resultado junto ao público. Pena não termos números de catraca – ou seja, não aquele da boca do caixa, mas o efetivo que indique quantas pessoas, de fato, entraram nas salas de projeção para conferir esta obra tão ‘singular’.

Por outro lado, é um intrigante exercício de imaginação indagar quem teria, de fato, interesse em ver na tela grande aquilo que já fora exibido na telinha. Ainda que ignorada pela crítica, a novela teve respaldo da audiência – o que, em última instância, motivou sua adaptação para o novo formato. O Som ao Redor (2012), representante oficial do Brasil no Oscar, premiado nos festivais de Gramado, Rio de Janeiro e São Paulo, vitorioso no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e elogiado até pelo The New York Times, teve menos de 200 mil ingressos vendidos quando em cartaz, mas contabilizou mais de 20 milhões de espectadores ao ser exibido de madrugada em uma emissora de televisão aberta. O que levaria, portanto, os realizadores de Os Dez Mandamentos a percorrer o caminho inverso, a não ser buscar uma desculpa para movimentar tamanho volume de dinheiro sem maiores explicações?

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A trama, enfim, é bastante simples e, mesmo quem não acompanhou a novela, deve conhecê-la de cor e salteado, pois a mesma vem sendo contada desde o início dos tempos: Moises (Guilherme Winter, sem a força que o personagem exige) e Ramsés (Sergio Marone, constrangedor e, disparado, o pior em cena) são criados como irmãos no antigo Egito, ainda que o primeiro tenha sido adotado. Quando adultos, Moises recebe um chamado de Deus revelando sua real origem: é judeu, e como tal deve se unir a seu povo e se voltar contra as injustiças do faraó. Ele tenta alertar o irmão, que não o ouve, e o resultado são as famosas pragas – nuvens de gafanhotos, águas virando sangue – que se abatem sobre os infiéis. Expulsos, a população judia percorrem o deserto presenciando milagres – como a abertura do Mar Vermelho para que possam seguir seu caminho – até seu líder receber dos céus as dez orientações sobre como levar uma vida digna como um cristão de verdade.

A presença de um elenco inteiramente desperdiçado – atores de talento, como Milhem Cortaz e Larissa Maciel, mal conseguem ir além do embaraço, enquanto que outros, como Samara Felippo e Sidney Sampaio, parecem estar em cenas da telenovela adolescente Malhação (1995-). Uma edição atabalhoada que não esconde sua origem televisiva, efeitos especiais vergonhosos nitidamente providenciados sem o esmero necessário e uma direção de arte rasteira e artificial complementam o conjunto ao lado de uma trilha sonora irritante e onipresente. Enfim, o que se tem é um grande videoclipe com muitos interesses escusos, menos aqueles voltados ao entretenimento saudável e ao crescimento cultural e artístico.

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O Deus presente no roteiro de Vivian de Oliveira – que tem voz de locutor de comercial – é do tipo mais severo possível, rancoroso e vingativo, que inspira mais medo do que admiração. Pouco orienta, mas muito pune. A transposição desta trama em um universo fictício deveria ressaltar as características alegóricas da trama, como a relação com o fantástico e a presença de possibilidades além da compreensão. Este filme, no entanto, tem como objetivo único catequisar sua plateia com um discurso ultrapassado e ditatorial, que atende mais aos interesses terrenos do que espirituais. Os Dez Mandamentos está além de uma ruindade ingênua, mostrando-se perigoso e cruel. Que saudades do grandioso e vazio Êxodo: Deuses e Reis (2014) – esse ao menos naufragava em sua própria ambição, e não na manipulação da fé de incautos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
1
Alysson Oliveira
1
MÉDIA
1

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