Crítica

Assim como fizera no premiado Perder a Razão (2012), o cineasta belga Joachim Lafosse utiliza um caso real de temática extremamente complexa como base para seu novo trabalho, Os Cavaleiros Brancos. A história é inspirada no escândalo envolvendo a ONG francesa “Arca de Zoé”, que atuava como intermediária em um esquema global de adoção ilegal. Em 2007, membros da organização foram detidos no Chade ao tentarem transportar mais de 100 crianças em um avião para a França, onde famílias adotivas, que já haviam pagado pelo serviço, as aguardavam. No longa, o nome da organização não governamental é alterado para “Move for Kids” e o país africano onde ocorre a ação não é mencionado, mas Lafosse mantém a premissa, acompanhando o dia a dia da equipe comandada por Jacques Arnault (Vincent Lindon) que, sob a fachada de uma missão humanitária, busca crianças órfãs de até 5 anos de idade para serem levadas à Europa.

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O teor da trama, naturalmente, incita diversos questionamentos morais sobre o papel intrusivo das nações do Primeiro Mundo no continente africano, a começar pelo sarcasmo contido no próprio título do filme, que escancara a visão imperialista da intervenção como um ato de heroísmo. Lafosse propõe a discussão sob uma perspectiva abrangente que permita a exposição da dualidade destes tópicos. Sendo assim, há um embate constante entre a validade das boas intenções e a ilegalidade dos atos. Se por um lado é perceptível um sentimento genuíno de solidariedade por parte dos membros da ONG, em especial de Jacques – na reação de felicidade ao falar com uma família adotiva ou na predisposição a socorrer as crianças vítimas de um incêndio – por outro somos sempre lembrados dos interesses não tão nobres que envolvem a missão.

Os chefes das aldeias locais que são pagos para entregarem os órfãos, o dono do aeroporto que precisa ser subornado, os pais adotivos que não aceitam uma criança mais velha ou ainda os soldados ingleses mais preocupados em evitar confrontos do que com a segurança dos franceses representam o caráter individualista e escuso da empreitada. Todas estas nuances denotam a tentativa de ampliação do escopo do trabalho de Lafosse que, em contrapartida, acaba neutralizando boa parte das qualidades vistas em seus longas anteriores, como o já citado Perder a Razão. A boa investigação das relações pessoais dentro de uma esfera mais intimista, por exemplo, se perde em Os Cavaleiros Brancos, já que o cineasta não se aprofunda no desenvolvimento das personalidades das figuras que povoam sua narrativa.

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A dinâmica do grupo é bastante explorada, mas, especialmente no primeiro ato, fica restrita a discussões operacionais – a compra de um novo motor para o avião, a decisão sobre se arriscar e visitar as aldeias de carro, a imposição de limites sobre a atuação da jornalista que está documentando o trabalho da ONG etc. – que nem sempre adicionam algo à construção dos personagens. A competência dos intérpretes compensa, em partes, estas falhas, com Vincent Lindon demonstrando o talento habitual e entregando a Jacques a aura ambígua que este demanda. Ainda assim, muitos dos bons nomes do elenco são subaproveitados, como o ótimo Reda Kateb e a atriz chadiana Bintou Rimtobaye no papel da intérprete do grupo, que apesar de possuir uma função concreta fundamental na história, poderia ser mais bem utilizada como elemento simbólico do olhar africano sobre os fatos.

Ao trabalhar com questões éticas tão complexas, Lafosse opta pelo caminho salutar da imparcialidade, não impondo qualquer tipo de opinião particular e deixando as interpretações livres ao espectador. Acontece que seu posicionamento neutro atinge um extremo que, por vezes, beira a indiferença. Algo que se reflete no papel da jornalista, que nas situações mais conflitantes adota uma postura isenta facilmente confundida com ausência de atitude. Tudo isto gera um distanciamento que enfraquece o potencial dramático do longa e interfere até mesmo em seu campo estético/estilístico. Caso da atmosfera de tensão almejada pelo cineasta, que faz com que o filme flerte com o suspense em determinados momentos, mas que termina com sua força diluída ao longo da projeção.

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Sem recorrer a um artifício comumente empregado em obras baseadas em fatos – o de informar através de letreiros a resolução do caso real – Lafosse ao menos ameniza parcialmente a impressão de ter realizado um trabalho correto, porém sem momentos marcantes, ao entregar um desfecho até certo ponto inesperado, cujo impacto inegavelmente cria um gancho para a reflexão mais aprofundada sobre os temas exibidos na tela.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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