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Sinopse

Depois de seduzir a irmã do amigo, Fausto é obrigado a casar-se com ela. Porém, seu apetite por novas aventuras amorosas não cessa, algo que ele exerce na companhia dos colegas com quem sai diariamente para farrear.

Crítica

Fausto é o galã, que leva a vida entre uma conquista e outra. Alberto vive às custas das mesadas e empréstimos que ganha da mãe idosa e da irmã trabalhadora. Leopoldo sonha em ser escritor, mas tudo que consegue é sonhar sem resultados muito concretos. Riccardo troca qualquer coisa para estar com os amigos, fazendo nada no meio da praça. E Moraldo, o mais jovem deles, parece seduzido por esse estilo de levar os dias, sem preocupações ou responsabilidades. Mas, lá no fundo, algo o incomoda a ponto de passar suas noites, após se despedir dos colegas, vagando pela cidade, sem rumo nem vontade de voltar para casa. Afinal, esses cinco são Os Boas Vidas, filme marco no início da trajetória de Federico Fellini rumo à consagração internacional.

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Qual a importância deste trabalho para a carreira do cineasta, portanto? Após ter co-dirigido Mulheres e Luzes (1950) e estreado como realizador com o frívolo Abismo de um Sonho (1952), Fellini estava pronto para alçar voos mais altos. Inicialmente com lançamento discreto – ainda que premiado com o Leão de Prata no Festival de Veneza – Os Boas Vidas só foi ser descoberto pelas plateias além da Itália após o trabalho seguinte do diretor, o irretocável A Estrada da Vida (1954), conquistar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e arrebatar meio mundo com a trama do poderoso Zampanò (Anthony Quinn) e da ingênua Gelsomina (Giulietta Masina). O sucesso desse filme foi tamanho que gerou uma onda de interesse sobre o trabalho prévio do realizador, direcionando essa atenção a uma obra menor, porém digna da curiosidade levantada. Com isso, acabou sendo eleita um dos melhores filmes estrangeiros de 1956 (três anos após o seu lançamento original) pelos críticos de cinema de Nova York e indicado a Melhor Roteiro Original no Oscar de 1958 (cinco anos depois!).

E o que faz de Os Boas Vidas um filme merecedor desse reconhecimento? Pela primeira vez Fellini deixava de lado uma visão lúdica da vida para encará-la com olhares mais melancólicos, porém não menos emocionantes. Os cinco amigos do título não são pessoas más – ainda que um ou outro volta e meia deixe o espectador em dúvida a respeito de suas verdadeiras índoles – apenas estão perdidos. São filhos de uma geração sofrida, vítima da guerra e do caos econômico e social, abandonados pelas promessas de um governo fascista que vislumbrava uma nação gloriosa e rica. Se recusam a crescer e, com isso, encarar a dura realidade. Um deles engravida a namorada, e sua primeira reação é fugir; precisa o pai (pobre, porém com honra) lhe pegar pela orelha e o obrigar a assumir o que esperam dele. Porém, aquele que acreditar que o casamento irá mudá-lo, estará muito enganado. A idade pode chegar para eles, mas a maturidade tardará ainda mais.

Em uma das cenas mais tocantes, os companheiros estão vagando pela praia deserta. Hoje em dia seriam delinquentes promovendo arruaças, mas naquela época se vestiam de gravata e sobretudo, desviando da areia com seus sapatos lustrosos. Até que um deles se depara com a irmã, namorando às escondidas com um homem casado. A desilusão que lhe abate na hora é compartilhada pelos amigos, que se compadecem de sua dor. Curioso é perceber que ela não é uma mulher sem moral – acredita nas promessas do amante e pretende fugir com ele. Assim, qual seria a maior frustração do irmão: encontrá-la em uma condição socialmente condenável ou perceber que, talvez, esteja prestes a perder sua fonte de renda? Da mesma forma, o intelectual que passa as noites cortejando a empregada da vizinha não sabe como agir ao se deparar com ela no meio do baile de carnaval – quando as classes se misturam, como proceder? Quem tem mais direito de estar ali, ela, que conquistou seu lugar pelo próprio esforço, ou ele, cujo único mérito é o sobrenome?

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Fellini tem consciência dos atos de seus personagens, e não os perdoa facilmente. Riccardo (interpretado pelo próprio irmão do diretor, Riccardo Fellini) é o mais coadjuvante, enquanto que Fausto (Franco Fabrizi, que assim como Leopoldo Triste – Leopoldo – e Alberto Sordi – Alberto – se tornaria parceiro frequente em outras obras do cineasta) é o que tem a trajetória mais destacada, envolvendo-se em uma confusão atrás da outra, mesmo após de casado. Mas acompanhamos essas trajetórias quase que pela tangencial, de acordo com a posição de Moraldo (Franco Interlenghi), que é parte do problema e também da solução – ele é o único a quem resta alguma esperança. E assim como precisa decidir entre ficar ou partir, também nós somos levados a confrontar nossa inerente comodidade, em um filme sobre o nada que tem muito a dizer.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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