Crítica

Depois de ter vencido o principal prêmio do prestigiado festival de documentários É Tudo Verdade com Terra Deu, Terra Come (2010), ninguém esperava ter de aguardar tanto por um novo trabalho do jornalista e cineasta Rodrigo Siqueira. Foram cinco anos até a estreia deste novo trabalho, Orestes, confirmando a boa mão do diretor para produções que fogem do lugar comum. Neste caso, uma tragédia grega é usada como ponto de partida para entender uma questão muito brasileira e igualmente trágica: os anos de chumbo em paralelo à truculência da força policial dos dias de hoje. Tema espinhoso e tratado com coragem e inteligência por Siqueira.

15106508

Para construir Orestes, o diretor buscou histórias de pessoas que perderam entes queridos nestes dois períodos distintos de tempo. Depois, costurou com um psicodrama intenso vivido por estas pessoas, que mostram toda a dor que sentem por estas lacunas em suas famílias. Finalmente, culminou com um julgamento fictício, do personagem Orestes, homem que matou seu pai após ter passado anos e anos carregando um sentimento de vingança por este ter assassinado sua mãe quando ele era criança. No caso, o fato é fictício, ainda que seja baseado em fatos reais e, claro, na tragédia grega de Ésquilo, Oresteia. Lá, Orestes mata a mãe. Aqui, é o pai. Mas o sentimento acaba sendo o mesmo.

Dividido em três partes, Orestes tem em seus depoentes um de seus grandes predicados. Rodrigo Siqueira conseguiu buscar bons cases para seu documentário, com destaque para a triste história de Ñasaindy, filha de revolucionários à época da Ditadura. Do pai, tem poucas fotos, apenas uma com ela – em que aparecem apenas suas mãos segurando-a ainda bebê. Da mãe, as lembranças são igualmente poucas. O cabo Anselmo foi responsável pela sua morte, em um caso conhecido pela traição do militar, que se dizia apaixonado por aquela mulher e que a deixou à mercê dos seus superiores. Com a anistia ao final dos anos de chumbo, um compreensível sentimento de impunidade se apoderou de muitos que sofreram com as torturas e mortes do período. Ñasaindy é uma desta pessoas.

20659347160_a048e867e2_o

Siqueira é inteligente em fazer um paralelo entre o período militar e as mortes que acontecem diariamente através de erros, displicência ou truculência da força policial. Além de casos concretos de assassinatos pelas mãos dos homens que deveriam proteger a população, o diretor dá voz a quem pensa que lugar de bandido não é na cadeia, mas no cemitério. É óbvio o posicionamento do diretor, mas o fato de ele colocar uma voz diferente no meio daquele caldeirão mostra uma vontade de problematizar as questões que o documentário suscita.

Da mesma forma, ao apontar sua câmera para o julgamento fictício de Orestes, colocando igual peso na acusação e na defesa, Rodrigo Siqueira busca no espectador um comprometimento com aquela história. Que o público pense por si mesmo e vire um membro do júri daquele caso. Ajuda o fato dos dois advogados apresentarem argumentos fortes, fazendo com que exista realmente possibilidade de dúvida no veredito.

estreia-orestes-filme-rodrigo-siqueira-1429283594

Se não bastasse este ótimo trecho no tribunal, o cineasta ainda inclui uma sessão de psicodrama que coloca Ñasaindy em um confronto com o cabo Anselmo – de forma imaginária, claro. E os resultados são surpreendentes, principalmente pela entrega de todos os envolvidos. Sem medo de colocar o dedo na ferida, Rodrigo Siqueira constrói um documentário potente, com boas ideias e transformando histórias dramáticas, de dor e perda, em material para pensarmos o Brasil de ontem e de hoje. Em uma época em que vemos pessoas buscando justiça com as próprias mãos, um filme que problematiza a questão e bota o espectador a pensar tem méritos mais do que suficientes para uma conferida de perto. O desejo agora é não ter de esperar mais cinco anos pela próxima obra do documentarista.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
avatar

Últimos artigos deRodrigo de Oliveira (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *