Crítica

O cinema feito no Brasil tem medo de assumir riscos. Por um lado tem sua razão, pois essa é uma atividade muito cara, e como além de arte é também negócio, é preciso ter uma margem de garantia de que ao menos no final as contas irão fechar. Por outro lado, somente quem arrisca é que pode descobrir o novo, mesmo que seja algo já testado por muitos, mas ainda pronto para ser desbravado por aqui. É numa combinação destes dois extremos – ou seja, a segurança de se apostar no mais do mesmo com a curiosidade de testar algo inédito – que se pode creditar a realização de Operações Especiais, o primeiro título que, de forma legítima, pode requerer o crédito de herdeiro do fenômeno Tropa de Elite (2007) e, principalmente, Tropa de Elite 2 (2010).

02-operacoes-especiais-papo-de-cinema

O segundo longa da franquia dirigida por José Padilha levou mais de 11 milhões de brasileiros aos cinemas e permanece até hoje como o longa nacional de maior bilheteria de todos os tempos. Isso não foi suficiente, no entanto, para que outros realizadores investissem no tema, desenvolvendo a temática sob outras perspectivas. Uma que outra tentativa até foi feita – Assalto ao Banco Central (2011), com 1,8 milhão de espectadores, ou Alemão (2014), com 960 mil, é o que mais próximo chegamos – mas nada com impacto semelhante. Operações Especiais, por outro lado, é o mais assumido destes aqui citados, deixando claro o ponto de vista da lei idealizada e o que se pretende com sua crítica ao caos ético e moral em que a sociedade brasileira está inserida. Mas faz isso com eficiência, aliando ao seu discurso sequências de elevar a tensão de qualquer um e brincando com os mais comuns clichês do gênero, usando-os a seu favor na medida do possível. Não inova, mas consegue surpreender a cada oportunidade desenhada.

A ideia soa absurda: colocar a bela e curvilínea Cléo Pires como agente de uma equipe de ação da polícia civil. Pois não só parece, como é, e tanto o diretor Tomás Portella quanto a própria atriz – os dois já haviam trabalhado juntos no primeiro Qualquer Gato Vira-Lata (2011) – usam esse estranhamento a favor de uma maior identificação com a plateia. Assumimos a visão dessa garota que até outro dia era recepcionista em um hotel no Rio de Janeiro, moradora do subúrbio, que decide melhorar de vida e prestar um concurso público. Inteligente, porém sem maiores chances até então, passa no teste e aos poucos vai se destacando nos treinamentos, a ponto de ser chamada para integrar essa força especial. É curioso acompanhar as mudanças, sutis porém precisas, da protagonista, que vai do salto alto e cabelo mechado para uma postura mais apta às suas novas atividades.

Ela e mais um grupo são enviados para a pequena cidade de São Judas do Livramento, no interior do Rio de Janeiro. Foi para lá que criminosos que deslocaram após a capital carioca ter sido limpa com o início das UPP – Unidades de Polícia Pacificadora. Duas crianças foram recentemente assassinadas, vítimas de balas perdidas. Com uma onda de crime tendo início, serão eles que deverão encontrar os culpados e resgatar a paz. O problema começa, no entanto, quando decidem ir além e organizar não só o que lhes foi designado, mas também dar um jeito em podres nos mais diversos escalões, revelando esquemas fora ilegais que envolvem desde policiais da região até a administração municipal. De heróis, quando menos se dão conta terão que enfrentar uma cidade dominada pela corrupção – e que não deseja mudar. A crítica é bastante óbvia, e sua abordagem é direta e sem margem para dúvidas.

03-operacoes-especiais-papo-de-cinema

Ainda que a condução seja eficiente na maior parte do tempo, há alguns problemas que distraem a continuidade. A necessidade de uma edição mais dinâmica é tamanha que certas passagens terminam de forma tão abrupta que alguns diálogos são prejudicados pela falta de um maior respiro. Outro deslize se percebe em uma sequência em particular em que três policiais conversam no meio da delegacia e uma figurante, no fundo do cenário, não consegue evitar de encará-los. A impressão é que se trata de uma personagem cuja importância será revelada posteriormente, mas após essa cena ela simplesmente desaparece, deixando claro que a intervenção anterior foi mais um descuido do que uma necessidade. Detalhes esses, no entanto, encontram ressonância em um final apressado que serve apenas para deixar um sabor amargo na plateia. Operações Especiais é entretenimento competente e de discurso embasado, mas toda a coragem que possui para se posicionar tematicamente lhe falta na profundidade de sua abordagem. Aponta para o caminho certo, porém lhe falta impulso para segui-lo até o fim. Decisão essa que poderia torná-lo tão memorável quanto seus similares de maior prestígio.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *