Crítica

Um respiro profundo. É neste momento de resignação e retomada de forças em que nos deparamos pela primeira vez com o Maël (Manuel Blanc, de O Insolente, 1996), o protagonista de One Deep Breath. Segundo trabalho do diretor e roteirista Anthony Hickling, feito logo após Little Gay Boy (2013), este é um longa ainda mais autoral e intimista, que vasculha o impacto e as repercussões sociais na vida de um homem após a morte do seu namorado. A dor da perda – que não é diferente em relações homo ou heterossexuais quando o sentimento é verdadeiro – já fora retratada com bastante sensibilidade em um esforço similar em Direito de Amar (2009), de Tom Ford. Hickling, no entanto, não parece muito preocupado com reminiscências cronológicas, e sim mais no que resta do amor perdido naquele que fica. E essa viagem sensorial é o grande diferencial de seu filme.

One Deep Breath levanta uma questão interessante em sua narrativa: até que ponto somos responsáveis pelas atitudes daqueles com quem nos importamos? Adam (Thomas Laroppe) estava envolvido com Maël, mas também tivera, pouco tempo antes, um relacionamento com Patricia (Stéphanie Michelini). Os dois amavam o rapaz, e ainda que ele estivesse com o primeiro quando decidiu se suicidar, cada um dos amantes que deixa para trás irá reagir de modo diverso diante esta situação. Tanto é que ela chega ao ponto de ter que influir diretamente para retirar o outro do seu estado de inércia paralisante e fazê-lo acordar, novamente, para a vida. A culpa que um sente não deixa de ser combustível para o outro superar o próprio sofrimento, ainda que nenhum dos dois possa sair ileso à tragédia.

O processo de reconquista do prumo enfrentado por Maël é exposto com bastante cuidado pelo diretor, que opta pelo uso de uma condução não convencional em sua história. Somos constantemente intercalados por episódios marcantes da história dos dois, aliados a outras passagens que servem para ilustrar os sentimentos que os envolviam – emoções conturbadas, de amor e ódio, que revelam uma convivência pouco pacífica e nada idílica – e os desejos que reservavam um ao outro, muitos deles ainda imersos pelo cotidiano e que agora não mais terão chances de aflorar.

Anthony Hickling parece não estar disposto e ser um realizador comum. A investigação de linguagem que empreende em One Deep Breath por momentos aproxima a obra da videoarte, em um retrato quase abstrato de uma passagem difícil de ser explicada, seja em palavras ou imagens – o necessário, ele sabiamente percebe, é o conjunto destes elementos e de outros, possíveis apenas através da sensibilidade daquele que o assiste. Como resultado, temos um filme pequeno em sua duração – são exatos 63 minutos de duração – mas grande na mensagem que carrega, deixando com o espectador muito mais do que aquilo que é exposto na tela. E por isso, além de qualquer coisa, já se justifica enquanto expressão artística.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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