Crítica

Ainda que os efeitos especiais de O Vingador do Futuro tenham envelhecido mal com o passar dos anos, a trama criada por Philip K. Dick, adaptada aos cinemas pelas mãos habilidosas de Paul Verhoeven, ainda mantém o charme duas décadas depois de seu lançamento. Contando com um Arnold Schwarzenegger no auge de sua fama - em uma de suas melhores atuações até então - o longa-metragem futurista é interessante por manter dúvidas na cabeça do espectador. Muito mais do que apenas um filme de ação anabolizado, O Vingador do Futuro propõe uma viagem aos meandros do cérebro, nos fazendo a seguinte pergunta: quão reais são nossas experiências? Somos capazes de distinguir o verdadeiro do imaginário? Tudo isso misturado a violência gráfica já conhecida dos trabalhos de Verhoeven, que não economiza no sangue e nas cenas de ação.

Baseado no conto We Can Remember For your Wholesale, de Phillip K. Dick, o roteiro é assinado por Ronald Shusett, Dan O'Bannon, Jon Povill e Gary Goldman. Na trama, ambientada em 2084, viagens a Marte são uma realidade, com o Planeta Vermelho servindo de colônia para os terráqueos - que sofrem com a falta de ar e as mutações provenientes da atmosfera rarefeita do local. Doug Quaid (Schwarzenegger) é um trabalhador braçal que sempre sonhou visitar Marte. Sua esposa, Lori (Sharon Stone), não dá muita atenção para as vontades do marido, rechaçando qualquer possível viagem. Desta forma, não resta outra alternativa para Quaid senão contratar os serviços da Rekall, uma empresa que implanta memórias em seus clientes e que promete as melhores férias que alguém possa querer. Quaid se interessa pelo pacote que, além de levá-lo a Marte, o transforma em um agente secreto. Durante o processo, algo dá errado e se descobre que o cliente, na verdade, já teve suas memórias esculhambadas e que é realmente um agente. Ao se ver perseguido, até pela esposa que se revela uma espiã infiltrada, Quaid decide viajar a Marte para chegar ao fundo disso. Sua missão fará com que ele conheça quem ele realmente é.

O que mais chama a atenção em O Vingador do Futuro são as possibilidades que o roteiro dá ao espectador para criar sua própria versão dos acontecimentos. Para muitos, a história contada pelo longa-metragem é a de um agente secreto que tem sua memória apagada e, depois de descobrir a verdade, decide lutar pelo lado dos injustiçados mutantes, conseguindo salvar o dia. Outros - e me incluo neste grupo - acreditam que tudo o que vemos a partir da visita de Quaid a Rekall se passa na cabeça do sujeito. Várias dicas são colocadas durante o filme (como personagens que aparecem anteriormente, dando vazão à imaginação do protagonista, ou os desdobramentos que são citados antes que eles aconteçam) que nos levam a crer que estamos dentro da mente de Doug Quaid. E não existe certo ou errado. Ambas visões podem ser defendidas pelos espectadores, com argumentos fortes dos dois lados. Por esse motivo, O Vingador do Futuro ganha muitos pontos sobre outros filmes de ação da mesma época.

Arnold Schwarzenegger pode não ser o homem comum que funcionaria bem nesta história, mas seu carisma faz com que o longa-metragem fique muito divertido. Com suas populares frases de efeito ("Considere isso nosso divórcio", "Eu sou Quaid!"), o ex-governador da Califórnia é um protagonista sob medida para O Vingador do Futuro. No quesito diversão, o dedo de Paul Verhoeven ajuda bastante. O cineasta capricha no humor para prender a atenção do espectador. É bem verdade que, hoje em dia, muitos dos momentos engraçados do filme são involuntários, graças à precariedade de alguns efeitos especiais. Mas muitos dos momentos bem humorados surgem da vontade de Verhoeven em entreter seu público.

Apresentando ainda uma Sharon Stone em plena forma, antes de estourar em Instinto Selvagem (1992), O Vingador do Futuro tem um elenco acima da média, que conta com Michael Ironside e Ronny Cox como os principais vilões. Não fosse a precariedade do desenho de produção e a tosquice de alguns efeitos especiais, o longa-metragem de Paul Verhoeven teria envelhecido melhor. A aparição de Kuato, por exemplo, beira o ridículo. A transformação da mulher obesa em Schwarzenegger ainda funciona, mas com um pouco de boa vontade do espectador. E existe, claro, a tão falada prostituta de três seios, com tamanha fama que ganhou espaço até no remake, mesmo que o novo filme não inclua qualquer tipo de mutação em seu roteiro.

Lançado em 1990, mas com toda a pinta de produção oitentista, O Vingador do Futuro é um dos melhores exemplares na filmografia de Arnold Schwarzenegger, ator que sempre teve uma queda especial por produções que misturem ação e ficção científica. Assim como Paul Verhoeven, que tem, entre os melhores títulos de sua carreira, produções deste gênero, como Robocop (1987) e Tropas Estelares (1997). Se já não bastassem todos os argumentos utilizados para convencer o leitor a assistir esta produção, vale mencionar que o filme de Verhoeven é infinitamente superior ao remake dirigido por Len Wiseman, com Colin Farrell no papel principal. Refilmagem essa que só deve funcionar para quem nunca viu o original. E olhe lá.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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