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Sinopse

Júlio César, um psicólogo decepcionado com a vida, tenta o suicídio, mas é impedido de cometer o ato por um mendigo conhecido como o “Mestre”. Uma amizade peculiar surge entre os dois e, logo, a dupla passa a tentar salvar pessoas ao apresentar um novo caminho para se viver.

Crítica

Autor com mais de 25 milhões de exemplares vendidos apenas no Brasil e publicado em mais de 70 países, Augusto Cury demorou para autorizar que uma de suas obras fosse adaptada para o cinema. Mas a espera acabou, e finalmente seu livro mais popular ganhou uma versão cinematográfica: O Vendedor de Sonhos, que é uma verdadeira febre entre seus leitores. A trama, que tem um tom acentuado de autoajuda em seu discurso – por mais que alguns recusem este rótulo – é, no entanto, bastante simples. Sua força, segundo os realizadores, está na palavra e em “sua força transformadora”. Algo, como se percebe, que até pode funcionar num livro diante um entusiasta, mas que revela diversos tropeços ao ser transposto para uma mídia audiovisual.

Júlio César (Dan Stulbach) é um homem em um momento de crise. E assim percebemos por conta da atitude extrema que toma logo no início da história: ao chegar ao seu consultório, o psiquiatra passa determinado pela secretária e pacientes na sala de espera, vai até a janela de sua sala e, após abri-la, se posiciona no lado de fora, no parapeito do vigésimo primeiro andar, prestes a pular a dar um fim à sua agonia. Em meio ao pânico que se instaura após sua ameaça de suicídio – afinal, quem quer mesmo se matar não fica esperando alguém aparecer para fazê-lo mudar de ideia – com uma multidão de espectadores observando-o à distância, no térreo, enquanto dentro do prédio policiais e seguranças se mobilizam, um mendigo, que passava por ali naquele exato momento, consegue cruzar por qualquer eventual barreira, e, sem encontrar nenhum tipo de resistência, vai ao encontro do pretenso suicida. Senta-se ao lado dele, também no parapeito, e começam a conversar. Um diálogo que muda a vida dos personagens, mas, como fica logo evidente, tem como objetivo alterar também as percepções daqueles do lado de cá da tela.

O Vendedor de Sonhos não é um filme que possa ser levado ao pé da letra, como fica óbvio a partir de uma sinopse como a acima descrita. O Mestre (César Troncoso) é uma figura emblemática, e apesar dos trajes mal ajambrados e da barba e cabelos desgrenhados, se comunica bem e fala sempre com calma e respeito. Seria mesmo um homem, ou teríamos aqui um anjo? A fantasia que a ficção permite, no entanto, não é abraçada com entusiasmo. Prefere-se seguir por caminhos mais próximos ao dia a dia dos espectadores. Essa opção, no entanto, não é respeitada a todo instante. Afinal, quando não convém ao diretor Jayme Monjardim, ele dela abdica para inserir passagens que flertam com o fantástico. São quase milagres que começam a acontecer, tendo como explicação a vontade de cada um de fazer mais, e melhor. Como se bastasse querer, para que o cenário fosse outro. Tem-se, enfim, uma narrativa de soluções fáceis e problemas que não resistem a uma análise mais detalhada.

Dan Stulbach não é um ator dos mais versáteis, tanto que nos últimos tempos tem se aventurado também como apresentador e comentarista de televisão. Se no início da carreira chamou atenção pela semelhança física com o astro Tom Hanks, hoje em dia tenta capitalizar qualquer maior atenção que recebe. Aqui tem-se um bom exemplo disso. Quase o tempo todo com o mesmo figurino, ele passeia por cenários milimetricamente planejados e quase impossíveis, com linhas retas e ângulos distantes que o colocam quase num pedestal. Se sua presença não chega a ser relevante – imagina-se facilmente qualquer outro intérprete no seu lugar – o mesmo não pode ser dito sobre César Troncoso. O uruguaio que se destacou com O Banheiro do Papa (2007) e desde então tem investido cada vez mais no cinema brasileiro, fazendo participações marcantes em títulos como Faroeste Caboclo (2013) e o recente Elis (2016), ganha aqui seu primeiro protagonista brasileiro. Uma oportunidade que agarra com vontade, mesmo que o personagem pouco consiga ir além do clichê. Mesmo assim, um bom ator sempre consegue fazer diferença, ainda que diante de diálogos prontos e frases feitas, sempre com mensagens do tipo “o importante não é achar o caminho, e sim seguir caminhando”.

Após o controverso Olga (2004) e o problemático O Tempo e o Vento (2013), Jayme Monjardim está mais uma vez entregando ao seu público um cinema artificial, plástico e forçado, em que toda e qualquer emoção, para surgir, depende de elementos externos, como uma trilha sonora constante e enquadramentos que tendem a conferir mais importância aos acontecimentos do que eles, de fato, possuem. Em O Vendedor de Sonhos, estes dois homens que se encontram na mais inusitada das situações logo parecem ter superado qualquer diferença e aprendido tudo que lhes faltava até aquele momento. As grandes lições, portanto, são tão óbvias que beiram o constrangimento, como nas passagens em que uma senhora perdoa o pivete que lhe assaltou ou quando o empresário, ao atender um compromisso de trabalho, precisa, mais uma vez, deixar a família de lado. Assim como a favela por onde transitam é tão falsa quanto uma nota de R$ 3, assim são os sentimentos emulados por este filme que até possui boas intenções, mas, como se sabe, dessas o inferno está cheio.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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