Crítica

O cinema realizado pelo francês Guillaume Nicloux é um exemplo de instabilidade. A maioria de seus filmes são recebidos sem grandes alardes e até mesmo com certo pessimismo. São, no máximo, regulares. Em O Vale do Amor, selecionado para o Festival de Cannes de 2015, Nicloux parece trilhar um caminho mais seguro ao escalar Isabelle Huppert e Gérard Depardieu como protagonistas. Afinal, a química do casal de atores já é conhecida do público por filmes como Corações Loucos (1974) e Lou-lou (1980).

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Esse reencontro nas telas, com um intervalo de quase 30 anos, não deixa de ser uma espécie de metaficção para destacar a maturidade que alcançaram e a trajetória construída ao longo da carreira. Então, não é gratuito quando Nicloux batiza, em sua história, seus personagens de Isabelle e Gérard, um casal de atores consolidados e já separados que se reúne no Vale da Morte, na Califórnia, após muitos anos sem contato e mesmo que tenham (ou tinham) como fruto da relação passada um filho, Michael, que acabou se suicidando.

A motivação desse reencontro é cumprir o último pedido do filho deixado através de duas cartas, uma para cada um dos pais. Nelas estão descritos alguns locais do Vale em que o casal precisaria estar presente junto para que Michael faça algum contato e, até mesmo, possa voltar à vida. Esse tom surreal alcança a narrativa de forma muito gradual e natural. Não existem efeitos especiais ou uma separação de mundos espirituais e terrenos. Em alguns momentos, a aproximação e ceticismo em torno desse tema lembra até mesmo os recursos simples e diretos de Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), do tailandês Apichatpong Weerasethakul.

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Não há também na narrativa um assombro e tensão excessiva, mas, sim, uma conclusão de que algumas coisas estão além do alcance de quem as vive. A tensão maior da narrativa está no silêncio e naquilo que não se vê, seja de forma metafórica ou constituída fora de quadro. Tensão essa construída para logo cair em frustração, sentimento pelo qual passam os personagens. O horror aqui se apresenta em tons de drama e vice-versa.

Bem longe de se firmar apenas nas ótimas atuações de Huppert e Depardieu, Nicloux constrói uma narrativa que flerta com David Lynch, Ingmar Bergman e até mesmo Michelangelo Antonioni. As metáforas diretas e indiretas estão lá. Seja por uma personificação da morte que ronda o casal, um animal morto ou a peregrinação pelo deserto que reflete uma penalização pelo abandono do filho.

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Como em um baque, a história, antes com uma atmosfera dramática de reencontro, ganha contornos de alucinação por entre os vales do deserto californiano. A forma cética em que Nicloux nos situa, nunca materializando Michael ou criando um tom exageradamente melodramático, faz com que a produção seja uma surpresa muito mais pela sua trajetória e construção do que do pelo seu final, que não traz um grande fechamento. Talvez seja o grande acerto do diretor em tornar a frustração e a instabilidade de suas criações o ponto forte e mais intrigante de O Vale do Amor. Logo, qualquer mediocridade dos trabalhos anteriores parece evaporar nessa caminhada pelo deserto californiano em um calor delirante muito bem guiado por Huppert e Depardieu.

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é graduado em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas (RS) e mestrando em Estudos de Arte pela Universidade do Porto, em Portugal.
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