O Uivo da Gaita

Crítica

Para quem reclama da baixa presença da temática homossexual no cinema brasileiro, O Uivo da Gaita chega para colaborar no sentido de diminuir essa escassez. Mas, mais do que uma história de amor entre duas garotas, este filme se destaca por outros motivos além daqueles vistos em cena – razões estas que se revelam mais importantes do que seus elementos fílmicos. Afinal, esta é uma obra experimental que deveria servir de exemplo para outros realizadores em formação. No entanto, com a involuntária notoriedade obtida a partir de alguns dos nomes envolvidos, aumentou-se a expectativa a seu respeito – e como já foi dito, quanto mais se espera, maior é a chance de se decepcionar.

A trama é simples. Pedro (Jiddú Pinheiro) e Antônia (Mariana Ximenes) estão juntos há algum tempo, e por mais que tenham se acomodado um com o outro, ela, vez que outra, demonstra sinais de insatisfação. Tudo muda quando soma-se a essa equação Luana (Leandra Leal), uma amiga do casal sobre quem pouco sabemos a respeito. O que fica evidente desde o princípio, no entanto, é a atração que a visita exerce sobre a outra garota. E como com o andar da carroça as melancias tendem a se ajustar umas com as outras, logo as duas estarão juntas, deixando o rapaz para trás. Ele que acreditava tê-las em suas mãos, termina sozinho.

O Uivo da Gaita foi o primeiro longa resultante da Operação Sonia Silk. Ao todo foram feitos três filmes – além deste, há também O Rio nos Pertence (2013) e O Fim de uma Era (2013) – todos realizados de forma coletiva e de modo simultâneo. Este tem roteiro e direção de Bruno Safadi, que foi assistente de direção de Julio Bressane em títulos como Filme de Amor (2003) e Cleópatra (2007). Ou seja, quem conhece estes trabalhos tem uma boa ideia da escola que o novato prega. O tom é assumidamente anti-naturalista, os silêncios possuem importância decisiva – não há diálogos, e só se ouve a voz dos personagens a partir dos 15 minutos de projeção – e o discurso empregado é indireto e aleatório. A montagem não está a favor do enredo, e sim com uma função desestabilizadora, embaralhando a ação como num quebra-cabeça mais preocupado em confundir do que em ordenar os acontecimentos. A estética vem antes do conteúdo, pois esse é instintivo, explícito apenas num quadro mais amplo.

Ximenes e Leal – que, assim como Pinheiro, estão nos três longas do projeto – estão bem entregues às personagens, e a cena de sexo que protagonizam é ousada na medida certa, ainda que funcione mais como catalizador da atenção da audiência e menos como elemento de importância narrativa. Quase como uma videoarte, ou como um balé existencialista, O Uivo da Gaita sucumbe diante de suas ambições por sua ineficiência em se valer presente – são muitas alegorias e pouca objetividade. Seu valor enquanto exercício é real e não pode ser desprezado de forma leviana; no entanto, há muito a ser percorrido para que um material como esse se levante por conta própria. E é no meio deste caminho em que deve ser deixado, entre o hermético e o popular, resignando-se em uma insignificância curiosamente almejada.

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Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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