Crítica

Seguindo a tendência adotada em seus três filmes anteriores, Ali Babá e os Quarenta Ladrões (1972), Aladim e a Lâmpada Maravilhosa (1973) e Robin Hood: O Trapalhão da Floresta (1974), a então dupla formada por Renato Aragão e Dedé Santana baseou-se novamente em uma história já consagrada para conceber seu trabalho seguinte. A obra em questão é A Ilha do Tesouro, do escritor escocês Robert Louis Stevenson, um dos maiores clássicos da literatura infanto-juvenil, da qual os comediantes extraem a trama básica - um garoto que embarca em uma grande aventura de caça ao tesouro ao lado de um pirata - para inserir o seu humor típico.

trapalhão-ilha-tesouro-papo-de-cinema-01

Na versão “trapalhônica” da história, Didi e Dedé interpretam Zé Cação e Lula, amigos pescadores que trabalham para a Pensão dos Piratas, onde também vive o jovem garoto Pipo (Eduardo de Albuquerque). Certo dia, um misterioso Capitão (Rafael de Carvalho) hospeda-se na pensão, revelando a Pipo que possui o mapa do Tesouro da Ilha das Cabras e que o velho pirata Long John Silver (Edson Guimarães) está à sua procura. Como de costume na obra dos Trapalhões, existe uma trama paralela, que envolve Carlos (o ator português Mário Cardoso), agente secreto que tenta localizar um grupo de perigosos contrabandistas da região.

Desde o início, o longa se apresenta bastante agitado, com Zé Cação e Lula encontrando uma carga de contrabando, fato que leva a uma perseguição de lanchas com os bandidos. O diretor J.B. Tanko, já acostumado à fórmula cômica de Aragão e Santana, conduz a coreografia da maior parte das sequências ingênuas de ação pastelão com competência. Um ótimo exemplo é a cena da fuga de Didi e Dedé do quartel-general dos contrabandistas, na qual o diretor busca utilizar ângulos e movimentos de câmera menos convencionais para aproveitar a interessante arquitetura com design oriental da locação. O momento seguinte, em que a dupla acompanhada de Carlão escapa manejando um veículo nos trilhos do trem, também faz bom uso do tom cartunesco.

trapalhão-ilha-tesouro-papo-de-cinema-03

É como uma versão de desenhos animados com atores reais que o filme deve ser encarado para funcionar, com seus tiros que nunca acertam os alvos ou explosões que apenas deixam os personagens com o cabelo arrepiado e o rosto sujo de pólvora. Da mesma forma, as improbabilidades que desafiam a lógica, presentes no roteiro, devem ser relevadas, como elementos fantasiosos totalmente aleatórios (o capanga chinês com poderes mágicos) e as próprias referências orientais relacionadas aos contrabandistas – nas roupas, no esconderijo – que soam inexplicáveis, já que o líder da gangue (interpretado por Jotta Barroso) não é asiático. Essa falta de cuidado do roteiro também diminui o potencial de algumas piadas promissoras, como quando Didi e Dedé se disfarçam de xeiques árabes para logo em seguida revelarem suas verdadeiras identidades.

Existem boas gags ao longo da projeção, especialmente nos embates entre Didi e o Pirata Long John Silver, além dos momentos de interação com Dedé e com a dona da pensão, Jurema (Zenir Pereira). A sequência da sala de torturas chinesas também é divertida, apesar de se alongar demais. E este talvez seja o principal defeito da direção de Tanko e do filme em geral: o timing. Até mesmo as boas cenas já citadas extrapolam o tempo, chegando ao ápice na interminável e repetitiva luta no veleiro entre piratas e contrabandistas, momento mais aborrecido do filme. A edição truncada também a atrapalha a fluência da narrativa, com diversos cortes abruptos entre as subtramas.

trapalhão-ilha-tesouro-papo-de-cinema-02

As soluções preguiçosas, outro problema presente em diversos títulos da filmografia dos Trapalhões, aparecem aqui. A certa altura, por exemplo, a busca de Carlão pelos contrabandistas é deixada de lado, sendo resolvida de modo apressado. O final, com a recompensa em forma de fortuna, também se repete. Por outro lado, Didi não sofre com a tradicional desilusão amorosa, já que desta vez não disputa o coração da mocinha, a bela Diana (Eliane Martins), com o herói galã. Talvez com um equilíbrio de ritmo melhor, Tanko conseguisse que as boas ideias e as piadas bem encaixadas, como quando Didi tenta decorar o mapa em inglês, ganhassem um destaque maior. Mas com todas as irregularidades listadas, o resultado final de O Trapalhão na Ilha do Tesouro é apenas mediano.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
avatar

Últimos artigos deLeonardo Ribeiro (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *