Crítica

O longa estrelado por Humprey Bogart deu a John Huston seu único Oscar de Melhor Direção, além do de Melhor Roteiro. Porém, O Tesouro de Sierra Madre (1949) é muito mais do que a busca por prêmios de seus dois grandes nomes ou um relato sobre caça ao ouro. Com este filme, o cineasta firmou de vez o tema que já pontuava sua filmografia, mas que aqui ganha ares épicos: a ganância do homem.

No ano de 1925, na cidade mexicana de Tampico, Dobbs (Humphrey Bogart) é um mendigo que busca esmolas nas ruas até conhecer Curtin (Tim Holt), outro americano com problemas financeiros. Após um trabalho em que os dois são traídos por seu empregador, a dupla conhece o velho garimpeiro Howard (Walter Huston, pai do diretor e premiado como Melhor Ator Coadjuvante no Oscar), que havia ouvido falar sobre exploração de veios de ouro nas montanhas de Sierra Madre. O trio ganha dinheiro para viajar e passa meses em busca do tesouro. Não sem que Dobbs comece a entrar num surto de loucura e paranoia achando que todos vão roubar seus bens conquistados.

O que mais interessa a Huston não é a busca pelo tesouro ou a viagem interrompida por bandidos e índios, mas sim a construção – ou exteriorização – da real personalidade de seus protagonistas, especialmente do personagem de Bogart. Se no início do filme vemos alguém amargurado, mas bem intencionado, logo percebe-se que há algo aterrorizante por trás. Quando um garoto vai tentar lhe vender um bilhete de loteria num bar, ainda no início do filme, Dobbs atira um copo d’água no rosto da criança de forma ríspida, o que já exemplifica o que está por vir.

E a convivência com os outros homens e as constantes visitas que eles recebem no seu acampamento durante sua jornada só aumentam a desconfiança que o ex-mendigo tem em relação não apenas aos desconhecidos como seus dois amigos. Sentimentos que ficam ainda mais aflorados pela câmera de Huston, que filma o local onde o trio está como um grande deserto em que os três ficam confinados. Um ambiente de isolamento que enaltece não apenas suas qualidades, mas seus defeitos. Em uma determinada cena, quando Howard precisa partir, Dobbs encontra-se sozinho com Curtin e começa um diálogo intenso que termina com um ato violento. Uma maneira de mostrar ao espectador que o protagonista chegou ao limite da loucura. Loucura refletida no olhar de Bogart.

E é a partir daí que a decadência de Dobbs começa. O final de sua história não poderia ser mais irônico: ele reencontra o “Chapéu Dourado”, um bandido mexicano que já havia cruzado o caminho do trio no início de sua jornada. Mesmo já com sua personalidade completamente alterada, o protagonista acredita ainda ser justo, sem se dar conta de que está diante de um reflexo do que se tornou. Tanto não sabe lidar com a situação que seu destino é traçado naquele momento.

O velho Howard já havia avisado sobre o que a tal “febre do ouro” poderia causar nos homens. Dobbs não acreditou e pagou o preço. E a severa punição talvez seja a grande moral do filme de Huston, que entendia muito bem da natureza humana, mas nem por isso deixava de ser impiedoso com personagens que cruzassem a linha do bom senso. Um castigo divino talvez. Castigo este que também alcança seus dois companheiros de outra maneira e que, ao contrário de Dobbs, encaram a situação com leveza. Não poderia ser de outro jeito.

 

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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