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Sinopse

Um cadáver é encontrado numa pequena cidade do estado de Vermont. Alguns querem esconder o corpo; outros ainda não sabem direito o que fazer com ele. Está armada a confusão.

Crítica

Na longa cinematografia de Alfred Hitchcock, O Terceiro Tiro não é de seus títulos mais conhecidos. Mesmo na época de seu lançamento, em 1955, o filme não fez muito sucesso. Na verdade, foi um fracasso comercial ao qual o cineasta não deveria estar acostumado. O exato motivo para o mau desempenho nas bilheterias exige um estudo detalhado, porém essa comédia de mistério, com toques levemente surrealistas, posiciona o longa em algum lugar distante da tradição cinematográfica do autor, o que pode ter causado estranhamento e afastado parte do público.

Baseado no romance do britânico Jack Trevor Story e filmado no colorido outono de Vermont, nos Estados Unidos, a história do homem que aparece morto no bosque de uma pequena cidade, e que é encontrado por diferentes personagens que poderiam ser o assassino, gerou desconforto nas plateias norte-americanas. De fato, o humor negro da narrativa, muito mais voltada para o inconveniente cômico gerado pela presença do defunto do que para o drama policial/sentimental que o caso poderia provocar no vilarejo, foi muito mais apreciado por britânicos e franceses.

Em um dia ensolarado, o pequeno Arnie (Jerry Mathers) caminha entre as árvores empunhando sua arma de brinquedo quando escuta três tiros. Assustado, vasculha o local e encontra o corpo de um desconhecido com um ferimento na testa. Em seguida, corre para contar a descoberta a sua mãe, Jennifer, interpretada por Shirley MacLaine em seu primeiro papel no cinema. Naquela mesma área, o capitão Albert (Edmund Gwenn) caçava coelhos armado com uma espingarda real. Ao se deparar com o defunto, percebe que pode ter provocado a morte do homem por engano.

Em pouco tempo, outras pessoas que poderiam ter sido responsáveis pelo assassinato visitam o local do crime por um ou outro motivo, como a senhora Ivy (Mildred Natwick), o artista Sam (John Forsythe), além de um médico atrapalhado e de um mendigo que aproveita para roubar o morto. Jennifer também segue até o bosque, onde descobre que o homem assassinado é na verdade Harry, parente de seu marido falecido. No entanto, ninguém se preocupa com o fato de alguém aparecer morto na pequena cidade. Pelo contrário. Há um estranho senso de calma e normalidade no ar, o que aponta para a peculiaridade da situação.

Nessa rede de conexões, tem início uma trama nada corriqueira, em que informações sobre o passado dos personagens direcionam suas ações para que o futuro de cada um seja livre de acusações. Há uma mistura mórbida de desinteresse sobre as causas do crime e sobre a origem do morto aliada a uma nítida necessidade de se desvincular do homicídio, que dão um tom absurdo ao filme e levam a movimentos cíclicos e bizarros para a ocultação do cadáver e a reformulação dos fatos. Sem querer, todos acabam enredando-se ainda mais no caso, que além da comicidade é adornado por certo romance, discreto terror fantasmagórico e algum suspense.

Se a receita não agradou ao público, o fator surreal da obra, proposto tanto por alguns enquadramentos quanto por parte do texto de Arnie, que confunde (ou propõe uma nova lógica sobre) o tempo, deve ter atrapalhado parte da audiência. Para o garoto, hoje é amanhã e amanhã é ontem. É com este toque surrealista que Hitchcock encerra seu filme, utilizando o paradoxo do tempo de Arnie para finalizar a história ao reconstruir a cena inicial do longa no dia seguinte (“ontem”), dando uma chance para os personagens criarem uma nova narrativa sobre a confusão que criaram.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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