Crítica

É curioso refletir um pouco a respeito da frase de apoio na divulgação do filme El Tercero (O Terceiro, em tradução literal): “e se a manhã seguinte for melhor do que uma noite a três?” Afinal, esse questionamento é tão tranquilizador quanto preocupante. Por um lado, indica que a decisão do casal em acrescentar um elemento em sua relação, ainda que seja por apenas um encontro casual, foi acertada e não gerou maiores repercussões. Ou, o que também pode ser cabível em um caso como este, poderia significar que se tomou gosto pela prática, abrindo-se de vez o relacionamento que até então era formado apenas por dois, multiplicando-se as possibilidades – e tornando, ainda que subjetivamente, mais frágil a ligação entre a dupla original. Agora, surpreendente é perceber o quão pouco tempo o longa de Rodrigo Guerrero dedica ao depois, sendo que quase toda a sua curta duração – são apenas 70 minutos – está focada no antes e no durante.

O início é ousado, tanto na questão imagética quanto no subtexto explorado. Nos deparamos com imagens das telas dos computadores dos envolvidos: um casal em um chat conversando com um rapaz mais jovem e bem desinibido. O garoto vai se desnudando lentamente, deixando pouco para a imaginação e atiçando o tesão daqueles que acabara de conhecer virtualmente. O cenário não é estranho a ninguém que já tenha flertado online com algum desconhecido, e os diálogos são despojados e bastante naturais. Fala-se em pau, bunda, sexo, quem é o ativo ou o passivo. O jogo de sedução estabelece-se, e a questão é como dar o próximo passo: ou seja, partir para um encontro real.

São apenas três personagens em cena, e cada um assume seu papel com desenvoltura. A proposta é clichê, reconhece-se, porém bem conduzida e sem maiores constrangimentos. Hernán (Carlos Echevarría, de Ausente, 2011) é o macho alfa, o homem da casa, o que aparece no final e quem toma as decisões. Franco (Nicolás Armengol, famoso na Argentina como dançarino do programa Bailando por um Sonho, 2008-2012, uma febre no país vizinho) é o mais assanhado, aquele que tem a iniciativa de ir atrás de novos parceiros na internet, é quem cozinha e quem procura manter aceso o interesse, renovando as atividades que os une. Fede (Emiliano Dionisi, um jovem galã de telenovelas, aqui estreando no cinema) é o terceiro do título, a pimenta que surge para incrementar a rotina dos outros dois. Ele chega, se aproveita de ambos, e vai embora com um sorriso no rosto. O que irá acontecer depois depende mais dele do que dos demais.

Guerrero, que antes havia realizado apenas o drama El Invierno de Los Raros (2010), parece mais preocupado com o registro voyer que orquestra do que com as consequências dos atos praticados. Ao invés de um bom curta-metragem, ele ousa em estender sua trama ao máximo, acrescentando diálogos um tanto perdidos e silêncios desconfortáveis e carentes de maiores significados. O melhor do filme acaba sendo o jantar que antecede a transa, em que as farpas entre o casal vão surgindo aos poucos, evidenciando as rusgas entre eles – problemas financeiros e familiares estão em pauta. Enquanto espectadores, ficamos mais interessados na história daqueles dois do que a do rapaz que pouco parece ter a dizer. É alguém apenas se divertindo. Assim como deve se portar qualquer um diante deste filme: sem exigir demais, até pode ser prazeroso. Basta não pensar além da conta.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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