Crítica

O segredo para boas receitas se transformarem em deliciosos pratos é a perfeita utilização dos temperos. E, sendo a excelência alquímica das especiarias uma arte milenar que influenciou o próprio desenvolvimento humano, esse conhecimento vem sendo transmitido de geração para geração de modo a não se perder nas areias do tempo.

Em O Tempero da Vida, filme de Tassos Boulmetis lançado em 2003, o turco Vasilis (Tassos Bandis), dono de uma loja de temperos em 1959, em Istambul, e patriarca de uma família que tem raízes gregas, transmite ao pequeno neto Fanis (Markos Osse) seu saber ancestral sobre o mistério dos condimentos. Ao lhe apresentar a poesia existente no bem comer, desperta no garoto a paixão pela cozinha.

Vasilis ensina ao menino que alimentos podem despertar muito mais do que o paladar em pessoas que sabem apreciar a boa culinária. Para ele, sentidos como olfato, tato, visão e até mesmo audição configuram dimensões essenciais para a total apreciação de pratos bem feitos. Mais que isso, mostra que o próprio sal é determinante não apenas às comidas, mas também à vida.

Em sua filosofia empírica, o velho ressalta que a palavra “astronomia” está inserida em “gastronomia”, apontando com isso que a mágica da culinária é tão profunda e poderosa quanto a magia do universo. Dogmático, explica que receitas certas ou erradas podem influenciar para o bem ou para o mal o humor e as relações entre as pessoas.

Com a lição em mente, Fanis aproxima-se da garota Saime (Gözde Akyildiz), que vem a se tornar a grande paixão platônica de sua vida. Isso se dá pois um conflito político entre Turquia e Grécia, no início dos anos 1960, provocará a deportação da família do menino.

Refugiado em Atenas com seus pais, Fanis sofre com saudades do avô e da namoradinha, que ficaram em território turco. A vivência do amor que nutre pelos dois torna-se impossível, condenado pelo distanciamento.

Na capital grega, o garoto cresce instigado a cozinhar ao lado das mulheres de sua família, mas é tolhido pelos próprios pais, inconformados com os rumos que o menino está tomando. Desiludido, Fanis deixa a gastronomia de lado para dedicar-se, então, à astronomia - abdicando também da própria felicidade.

No entanto, tudo pode mudar quando o protagonista se vê obrigado a voltar a Istambul para visitar o avô doente, reencontrando também a amada Saime. Os dois são os temperos que podem mudar a vida de Fanis por completo.

Porém, como o próprio avô havia lhe ensinado, a alquimia das especiarias é um mistério tão volátil e fortuito quanto o universo. Lidar com temperos, assim como com pessoas, exige muita sabedoria. Com facilidade, ambos podem nos escapar. Um desafio e tanto mesmo para quem nasceu rodeado por condimentos.

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é jornalista, doutorando em Comunicação e Informação. Pesquisador de cinema, semiótica da cultura e imaginário antropológico, atuou no Grupo RBS, no Portal Terra e na Editora Abril. É integrante da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul.
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