Crítica

O que fazer após dois imensos campeões de público e antes de duas continuações milionárias? O diretor Gore Verbinski, após realizar o remake O Chamado (2002) e a aventura Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003), ambos inesperados sucessos, e antes de embarcar nas duas seqüências estreladas pelo Capitão Jack Sparrow (Johnny Depp), apostou na pequena e intimista história de um “homem do tempo” em O Sol de Cada Manhã, acreditando que o roteiro de Steve Conrad (cujo único trabalho de destaque até então havia sido Recordações, de 1993, uma pequena comédia dramática com Sandra Bullock no início de carreira) e o carisma de Nicolas Cage fossem suficiente para fazer com que o público partilhasse desta visão. E, pelo bem e pelo mal, verificou-se que tais elementos não eram o bastante.

Fracasso nos cinemas norte-americanos (arrecadou pouco mais de US$ 12 milhões) e também junto à crítica, O Sol de Cada Manhã é sintomático, no entanto, para a carreira cinematográfica do protagonista, pois representou o início de uma série de longas que exploraram pouco seu potencial dramático e tiveram performances muito aquém do esperado nas bilheterias. Mas se Cage é um ator quase que acima desse tipo de julgamento, com seu séquito próprio de fãs, tal retorno não se repete aqui, pois o encontramos completamente diferente do modo como o acostumamos a vê-lo na maioria dos seus trabalhos. Este homem, um jornalista infeliz com o trabalho e com a família, assume-se como deprimido logo de início, convidando o espectador a uma jornada por um universo sonolento e aborrecido.

Dave Spritz (Cage) é um homem em que nada dá certo na vida – a não ser diante às câmeras de televisão. Ele apresenta a previsão do tempo num telejornal diário, o que faz muito bem, tanto que há pouco recebeu um convite para um teste numa emissora de âmbito nacional. Sua vida pessoal, no entanto, é um desastre. É motivo de vergonha para o pai (Michael Caine), um escritor premiado com o Pulitzer, está separado da esposa (Hope Davis) e praticamente desconhece os dois filhos (Nicholas Hoult e Gemmenne de la Peña, uma das filhas de Julia Roberts em Erin Brockovich, 2000). Esse sentimento de fracasso permeia todas as tarefas do seu cotidiano, refletindo em sua falta de tato para tratar com o público que o reconhece nas ruas – afinal, ele é uma figura popular – e em como lida com suas obrigações diárias. Remediar estes relacionamentos ao mesmo tempo em que busca um novo sentido na vida será uma missão que ganhará reflexo na prática de arco-e-flecha.

Se o objetivo do diretor e do roteirista era provocar no espectador a mesma sensação de resignação, desestímulo e insatisfação vivenciados pelos personagens principais, então é possível afirmar que O Sol de Cada Manhã é um produto bem-sucedido. Steve Conrad teria, no futuro, dias melhores ao explorar esta mesma busca pela auto-realização pessoal em A Vida Secreta de Walter Mitty (2013), assim como Verbinski acertou ao investir em projetos menos introspectivos. As emoções que aqui vemos são exploradas de forma gratuita e nada inteligente, tornando o conjunto desinteressante para um espectador mais exigente. Extenso, desorientado e por vezes inócuo, esta obra resvala em suas próprias ambições, terminando tão ineficaz quanto as atitudes que prega em sua trama.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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