Crítica

Difícil passar incólume pelo documentário O Show da Guerra. Mostrando a realidade do povo da Síria contra o governo ditatorial de Bashar Al-Assad, o longa-metragem dirigido por Obaidah Zytoon e Andreas Dalsgaard aproxima o espectador de um grupo de amigos que resolveu desafiar o status quo e se manifestar contra o totalitarismo que impera naquele País. Zytoon, a narradora, é uma radialista que vê sua vida e a de seus entes queridos totalmente mudada a partir do momento em que parte à luta nas ruas da Síria. A situação por lá é sabidamente terrível há anos, mas as notícias que chegam em nossos telejornais, não raro, apenas expõe números com uma distância assustadoramente fria. Em O Show da Guerra, vemos e conhecemos quem padece com aquele regime. Portanto, ficar impassível é quase impossível.

O longa-metragem é dividido em sete partes e um epílogo. Os segmentos são: Revolução, Repressão, Resistência, Cerco, Memórias, Fronteiras e Extremismo. Em cada um deles observamos a luta de Zytoon e de seus amigos em busca de liberdade. O filme já começa com um trecho ímpar. Nawarah, garotinha com cerca de 10/12 anos de idade, vai aos protestos sem cobrir o rosto. Questionada sobre os motivos dessa atitude tão aberta, ela responde com uma das melhores frases do filme: “Não tenho medo. Sou temente apenas a Deus. Não estou protestando para ficar sufocada. Estou aqui para respirar”. Impressiona o nível de lucidez dessa criança que, certamente, amadureceu precocemente por conta da realidade à sua volta. Com um irmão preso, a família sem emprego, resta à menina lutar.

Amal, Houssam, Lulu, Hisham, Rabea, Argha são amigos de Zytoon, todos, ao seu modo, ativos na revolução. Com exceção de Hisham, um tanto apolítico e mais cético a respeito dos rumos dos protestos, eles estão imbuídos totalmente do espírito contestador ao governo vigente. São apresentados um a um e, infelizmente, nem todos conseguiram terminar vivos o longa-metragem. Um verdadeiro soco no estômago do espectador que acompanha a trajetória desses sujeitos tão apaixonados por sua luta.

O documentário registra os protestos e como as pessoas com câmeras são os alvos preferidos das forças oficiais. Programas de televisão fazem propaganda de desinformação, mostrando que a paz reina na Síria e que não existem manifestações em praça pública. Protestos a favor do governo também se dão, com número bem menor de adeptos, mas ainda deflagrando a existência de certo desconhecimento por parte da população sobre o que acontece no governo de Al-Assad. Em outra frase forte do longa-metragem, um dos revolucionários afirma: “Ninguém na Síria pode descrever o que é liberdade, pois ninguém jamais a experimentou”.

Narrativamente falando, o documentário pode até não trazer novidades. Temos as cenas filmadas nos conflitos e no cotidiano dos retratados, com a figura da narradora onipresente fazendo a ligação dos pontos. Mas o texto dessa narração é tão bom, e a mensagem que O Show da Guerra transmite é tão importante, que até mesmo um filme formalmente convencional se mostra impactante e terrivelmente necessário.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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