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Sinopse

Durante a década de 1980, lutadores de vale-tudo passam por dificuldades devido à falta de lutas profissionais. A fim de manter a paixão pela luta, desafiam os valentões no interior do Ceará que aceitam participar da competição criada. É assim que Aluiso Li vê a sua chance de ouro para realizar o sonho de se tornar um verdadeiro mestre das lutas como os heróis de seus filmes favoritos.

Crítica

Halder Gomes é um dos grandes empreendedores do cinema brasileiro atual. Não só preocupado em resgatar as histórias da sua terra, descobriu como, através delas, se conectar com um público maior, fazendo valer a máxima “fale de si e converse com o mundo”. Após um início de carreira nos Estados Unidos, realizando produções genéricas que visavam o mercado do home vídeo, teve um flerte com temáticas religiosas para, enfim, encontrar a fórmula do sucesso com Cine Holliúdy (2014), longa cearense com quase 500 mil espectadores e 11 indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (o Oscar nacional), entre elas a Melhor Filme, Direção e Roteiro, e premiado pelo Júri Popular e como Melhor Filme de Comédia. Pois dois anos já se passaram desde este pequeno fenômeno, e ele agora está volta, mostrando como um raio pode atingir o mesmo lugar mais de uma vez, com O Shaolin do Sertão.

O diferencial do projeto, assim como foi no anterior, está, de acordo com as palavras dos envolvidos, nas ‘fuleiragens’ propostas por Gomes e por Edmilson Filho, que mais uma vez assume o papel de protagonista, além de colaborar como roteirista e produtor. Após os dois terem tido a ideia original, coube ao escritor L. G. Bayão trabalhar no texto, até chegar ao formato a ser desenvolvido. Sim, pois foi a partir deste trabalho que o diretor e seu astro se encarregaram de oferecer um tom “cearense” à história, por assim dizer. São piadas, situações e conjecturas de mais de um sentido que podem agradar ao espectador de qualquer parte do país, mas que farão a festa do público local. O Shaolin do Sertão é mais ambicioso em relação à Cine Holliúdy, mas nem por isso deixa de se preocupar com a prata da casa.

No papel-título, Edmilson volta a interpretar um tipo ingênuo, chão da terra, porém nunca idiota ou infantil. É um solteirão, apaixonado pela mocinha da vila onde mora e que sonha em ser exímio na arte do kung fu. Quando um astro do esporte anuncia uma turnê de demonstrações pela região, é chegada a vez dele colocar em prática aquilo que sempre soube em teoria. Porém, ninguém acredita no potencial dele. As exceções são seu melhor amigo, o garoto Piolho (a revelação Igor Jansen), a mãe (Fafy Siqueira, em participação especial) e um candidato à Prefeitura (Frank Menezes, de A Coleção Invisível, 2012) que resolve usá-lo para fazer frente ao seu oponente (Claudio Jaborandy). E no meio do jogo político, o Shaolin terá ainda que encarar um treinamento improvisado com um falso chinês (Falcão), mostrar valentia diante do pai da moça (Dedé Santana) e ainda afugentar o noivo dela (Marcos Veras).

Os arquétipos empregados na trama de O Shaolin do Sertão são facilmente reconhecíveis, utilizados com moderação justamente para não afugentar o fã do estilo do diretor e ainda assim atrair os meramente curiosos. O cenário é quase de uma telenovela das 18h ou de um daqueles saudosos títulos d’Os Trapalhões (a presença de Dedé no elenco não é por acaso). Com Aluísio Li, Edmilson Filho cria um personagem que se encaixa numa linhagem já frequentada por nomes como Oscarito, Ronald Golias e Renato Aragão. É o herói que não tem dimensão dos perigos aos quais se põe ao alcance, acreditando que basta ser forte e valoroso para se dar bem no final – o que, invariavelmente, termina por acontecer. Porém, não é a falta de surpresa em sua conclusão o motivo desse jornada. O que a torna válida é o seu durante, é desfrutar destes tipos tão genuinamente brasileiros, que fazem uso com perspicácia e desenvoltura de um humor muito próprio, o qual reconhecemos como parte intrínseca da narrativa.

Halder Gomes e Edmilson Filho não fogem do esperado em O Shaolin do Sertão. Temos o mocinho involuntário, a virgem sofredora e maltratada, os caciques que brigam um com o outro e esquecem do povo, o valentão covarde e o brutamontes de bom coração. Todos facilmente reconhecíveis e no bom uso das máscaras que defendem. Além disso, há inovações estéticas e visuais (as sequências de sonho do protagonista, que recriam os filmes em VHS dos anos 1980, são impagáveis) que empolgam pela proposta, oferecendo ao conjunto um tom diferenciado. Como resultado, temos um filme que emociona pela sinceridade, catequizando os já convertidos e, ao mesmo tempo, abrindo os braços para uma audiência mais ampla, pronta para se deixar levar a um tempo em que, como mostra mais uma vez ser tão eficiente, falávamos de nós e, assim, emocionávamos a todos. Tanto no sertão do Ceará como na terra do mestres das artes marciais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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