Crítica


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Sinopse

Durante um colóquio na cidade de Toronto, Luc Sauvageau, um arquiteto casado com Stéphanie e natural do Quebec, conhece Lindsay, uma mulher intrigante. Luc acaba se apaixonando pela mulher e começa um relacionamento complicado, apaixonado e tortuoso com ela.

Crítica

A vida que Luc (Éric Bruneau) leva é fruto de um percurso tão milimetricamente calculado quanto seus projetos arquitetônicos, semelhante a eles também no que tange à busca por um ideal constituído de pretensas perfeição e beleza. Não que o cineasta canadense Denys Arcand se detenha na evidência da hipocrisia presente constantemente na conduta desse jovem bem-sucedido que protagoniza O Reino da Beleza, senão como parte de uma rotina nem sempre aberta à verdade acima de qualquer coisa. Aliás, Arcand se mostra bem menos ácido que em seus trabalhos pregressos, nos quais se notava uma vontade quase irrefreável de cutucar feridas e expor uma sociedade edificada, basicamente, sobre fundações morais frágeis. Neste filme, igualmente não há condescendência, os personagens são abordados por diversos vieses, inclusive os que deflagram o lado menos louvável de seus comportamentos. Mas Arcand os blinda de uma eventual ojeriza pela maneira sutil com que nos permite criar empatia por eles.

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Stéphanie (Mélanie Thierry), esposa de Luc, possui olhar predominantemente vago, característica que denota uma depressão sem porquês visíveis. Rodeada de amigos, aproveitando uma existência sem privações financeiras, devidamente valorizada no ambiente de trabalho, ela não teria, a priori, motivos para demonstrar seguidamente uma infelicidade profunda. Em determinado momento, o protagonista reflete acerca dos mistérios insondáveis da alma humana, exatamente os que tornam praticamente impossível definir fórmulas para a satisfação plena. O Reino da Beleza trata dessa dissonância entre o exterior e o interior, instância que encontra reflexo, talvez um pouco óbvio demais, mas ainda assim eficiente, na atividade de Luc como arquiteto. A perfeição das linhas e dos ângulos, a combinação das cores e as entradas impecáveis de luz não garantem necessariamente a harmonia, embora esta possa parecer superficialmente um bem inalienável, alcançado totalmente, aos que veem de fora.

A presença de Lindsay (Melanie Merkosky), responsável, inclusive, por acessar o passado – já que a maior parte do longa-metragem ocorre em flashback – simboliza a interdição amorosa dessa desestabilização ampla que vai acometendo Luc, responsável por acelerar a demolição de seus ideais. Nas mãos de um cineasta menos atento às complexidades e mais afoito em garantir um fácil envolvimento emocional do espectador, O Reino da Beleza poderia ter se tornado um drama banal, especialmente se centrado no adultério e nas implicações morais das atitudes do protagonista. Sob a batuta de Denys Arcand, o que temos é uma realização que vai se desnudando lentamente, com tempo suficiente para saborearmos o que as pessoas em cena têm a nos oferecer, sem apelar a julgamentos ou a outras formas de reduzir os sentimentos em voga a um emaranhado de convencionalismos. Prova disso é a manifesta dor, oriunda da sabida impossibilidade, que sobrevém aos encontros tórridos de Luc e Lindsay.

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As reuniões de amigos em torno de comida, bebida e maconha, passagens recorrentes na obra de Denys Arcand, se fazem presentes em O Reino da Beleza, não com o mesmo caráter ferino visto em O Declínio do Império Americano (1986), para citar apenas, dentre seus filmes, o mais famoso a utilizar tal expediente. Em meio às platitudes dos colóquios, se desprendem evidências das fissuras que ameaçam a integridade de cotidianos supostamente à prova de tristezas e afins. Muito bonita visualmente, esta realização mostra um Arcand menos afeito a vociferar contra este ou aquele comportamento particular que representaria traços nocivos da coletividade. A visão que alcança além das aparências permanece intacta, já que ninguém passa incólume à lente do cineasta. Porém, neste caso, prevalece a compreensão carinhosa de que a falibilidade é uma das condições de viver, não somente em grupo, mas consigo, com as próprias tempestades.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
7
Daniel Oliveira
4
MÉDIA
5.5

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