Crítica

É impressionante perceber que, segundo a Ancine, das 30 maiores bilheterias do cinema nacional em todos os tempos, quinze – ou seja, a metade – são estreladas pelos Trapalhões! Nesta impressionante lista, o décimo lugar – e ocupando a 18ª posição no ranking geral – é justamente O Rei e os Trapalhões, lançado em 1979. Aliás, o final dos anos 1970 e toda a década seguinte responderia pelo período mais frutífero de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, tanto na telona quanto na telinha. Mais entrosados do que nunca, os quatro aqui aparecem mais uma vez buscando inspirações em clássicos universais, porém oferecendo uma roupagem cada vez mais própria.

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Menos de dez anos depois, o grupo estrelaria Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986), longa de denominação similar, porém de temática bastante diversa. Portanto, se a referência do leitor mais jovem é esta aventura ao lado do Rei Pelé, melhor deixar essa ideia de lado. A base de O Rei e os Trapalhões é o conto O Ladrão de Bagdá, um dos tantos de As Mil e Uma Noites e adaptado para o cinema pela primeira vez em 1924. Outras tantas versões foram feitas depois, e se por um lado esse filme dirigido por Adriano Stuart – o terceiro dos cinco que comandou com os cômicos – é bastante livre em sua abordagem, por outro demostra um esmero interessante em sua produção, indo além dos cenários improvisados e dos figurinos simplórios vistos até então nos longas da turma. Ainda que tenha sido filmado inteiramente no Rio de Janeiro, a edição atenta aos detalhes, os planos mais estudados e uma fotografia cuidadosa conseguem de forma efetiva transportar o espectador ao universo proposto pela ficção.

E que mundo é esse? Estamos séculos atrás, em uma Bagdá comandada pelo Rei Amad (Mário Cardoso, que foi o personagem-título de Robin Hood: O Trapalhão da Floresta, 1974), um governante bondoso, porém ingênuo. Ao se disfarçar de plebeu para descobrir quais são os desejos de seu povo, é enganado pelo Grão-Vizir Jafar (Carlos Kurt, que esteve em nada menos do que doze longas do quarteto, e até se aventurou na superprodução 007 Contra o Foguete da Morte, 1979, filmada na capital carioca no mesmo ano), que acaba lhe tirando o trono e condenando-o ao exílio. Para reconquistar o que lhe é seu de direito, precisará da ajuda de tipos acostumados com a vida nas ruas. E quem serão esses? Os malandros Abel (Dedé Santana), Abil (Zacarias), Abol (Mussum) e Abul (Renato Aragão).

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Não adianta ir até um filme como O Rei e os Trapalhões esperando tramas engenhosas ou show de efeitos especiais. O foco aqui são os quatro atrapalhados protagonistas e as confusões que aprontam. Todo o resto é mera distração, que serve apenas como desculpa para preencher os vazios entre uma bagunça e outra durante uma hora e meia. E se o resultado não envelheceu bem visto mais de três décadas após o seu lançamento, é inegável que há um grande prazer nostálgico em presenciar Didi lidando com um gênio da lâmpada ou se equilibrando em um tapete voador, Dedé usando suas habilidades circenses para se livrar dos capangas do vilão, Zacarias fugindo descontrolado no comando de um caminhão-pipa encharcando qualquer um que surja em seu caminho e Mussum ‘desesperadis’ em busca de ‘mé’! O final apressado, no entanto, oferece uma despedida com gosto de quero mais, e se houve avanços em relação aos títulos anteriores do grupo, ainda havia muito a ser melhorado. Em termos de enredo, é claro, pois entre os quatro a relação aqui parecia estar em um dos seus melhores momentos.

P.S.: apesar das imagens que ilustram esse texto serem em preto e branco, o filme é inteiramente em cores.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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