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Sinopse

Dois irmãos são separados após o divórcios dos pais. Eles moram na mesma ilha, um no norte e o outro no sul. A notícia da chegada do trem bala faz um deles arquitetar um plano que envolve a erupção de um vulcão.

Crítica

Há sempre um vazio nos filmes de Hirokazu Koreeda. O cineasta prefere assim, quer dizer, é plenamente intencional essa ausência de algo. E é fundamental que as coisas sejam colocadas dessa forma explícita e abertamente utópica (para não dizer ingênua), pois ele opera na busca desse algo, ou na sua preservação: a memória é seu conteúdo. Sempre foi assim, como em Depois da Vida (1998), quando os mortos têm uma semana para escolher apenas um fragmento de memória para guardar para todo o sempre, ou em Without Memory (1996), documentário sobre um homem que não consegue guardar novas memórias, por exemplo. Seus filmes tateiam algo perdido ou que não se pode perder, pois o cinema também tem essa dupla função escorregadia de salvar as imagens para o olhar eterno. Nesse sentido, O Que Eu Mais Desejo não deixa de retrabalhar a questão.

É também verdade que ele manifesta aquela mesma falta de conflitos de filmes anteriores. Há impossibilidade dramática em superar sua própria condição material de trama e suspense (tensão e perigo), ficando sempre apegado a “construção dos personagens”. Ora, um filme como esse, isto é, justamente sobre esperanças (mais do que sobre a infância), é notadamente um exercício de manipulação das expressividades do corpo e do espírito. É sobre estar em paz com a própria condição existencial que trata o novo filme de Koreeda. Pois os dois irmãos que, vivendo separados por uma ilha, enquanto Koichi mora com a mãe e Ryunosuke com o pai (os pais se separaram recentemente), sonham em reatar os laços entre eles. Koichi, o mais velho, acredita em uma velha história sobre trens que, ao se cruzarem, oferecem a possibilidade de um pedido milagroso. Basta que, no instante do cruzamento entre eles num determinado ponto, os presentes gritem por seus desejos. O pedido do primogênito é bastante claro, e é ele que vai nortear os acontecimentos do filme: quer que o vulcão adormecido perto de sua casa entre em atividade, obrigando-os a abandonar o lado sul da ilha para, assim, serem obrigados a voltar a morar com o irmão e com o pai, reunindo a família. Então ele organiza, juntos de alguns amigos, a viagem até o ponto de cruzamento dos trens.

Koichi e seu irmão querem outra versão para o fim do mundo. Uma nova escatologia, desapegada da mentalidade dos adultos (que, como vemos no filme, podem ser estúpidos), diferente da obviedade das relações construídas a passos apressados. Koreeda está intimamente conectado com essa busca, perplexo diante da fragilidade do humano, e precisa extravasar essa putrefação com o olhar puro da infância, a docilidade da inocência. Isso talvez ilumine um pouco sua maneira de filmar: ela é também inocente, mas ao contrário da experimentação infantil, está sempre satisfeita com a estrutura básica dos planos e dos contraplanos, nada de impor dificuldades aos espectador, desafiar o olhar e a percepção conceitual da narrativa, que fica operando entre dizer e mostrar a força das coisas mesmo onde não há substância alguma, como em todo esse afastamento dos irmãos que mais parece uma trivial separação que um rompimento duro e cruel – mesmo que, lá no final, ocorra um amadurecimento súbito (também deslocado), o que não faz muito sentido, pois o filme inteiro fora construído sob a beleza da inocência (e, em certa medida, ia bem assim).

Voltando ao tema de Koreeda, a memória, que é o que ele tem de melhor a nos oferecer, O Que Eu Mais Desejo é um filme sobre a escritura de uma vontade de voltar (eterno regresso, eterna permanência): devolver o sensorial ao mundo animado, ao tecido do real, humano. O real se fortalece precisamente em sua transformação em ficção, a fé, a esperança, nada mais são do que vontades de potência, de criação de um "futuro memorável", inquestionavelmente ali, no seu lugar, do jeito que queremos. Com o tempo e na iminência do cruzamento dos trens, no entanto, Koichi e Ryunosuke não precisam mais mudar as coisas, não querem mais. Já lhes basta a memória e a possibilidade de construção de coisas novas para preenchê-la.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do RS. Edita o blog Tudo é Crítica (www.tudoecritica.com.br) e a Revista Aurora (www.grupodecinema.com).
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