Crítica

Fazer terror e provocar tensão com algo que não se vê, que apenas se sugere, é o principal segredo do sucesso desse gênero. Porém, se o que assusta é revelado, é necessário ter um excelente conteúdo por trás para manter o interesse e a relevância. E tudo isso faz parte de O Nevoeiro, a mais nova adaptação de um romance de Stephen King a chegar aos cinemas. E apesar de não ser uma trama “comum”, como a dos melhores filmes inspirados na obra do autor, também não deixa o sobrenatural acabar com sua verossimilhança e pertinência.

Dirigido por Frank Darabont, O Nevoeiro tinha no seu comando um expert no assunto. Afinal, este é o terceiro filme desse realizador baseado em King, após os enormemente bem-sucedidos Um Sonho de Liberdade (indicado a 7 Oscars, inclusive Melhor Filme, em 1994) e À Espera de um Milagre (indicado a 4 Oscars, inclusive Melhor Filme, em 1999). Entre esse último e o novo trabalho Darabont se dedicou à televisão e fez apenas um longa-metragem, o irregular Cine Majestic (2001), com Jim Carrey. Pois agora ele está novamente em seu habitat, consciente dos elementos à sua disposição e conduzindo-os com imensa sabedoria, levando seus personagens – e o público junto, naturalmente – a níveis incalculáveis de nervosismo e suspense.

A história começa aparentemente simples: após uma tempestade, um imenso nevoeiro se aproxima de uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos. A população está toda na rua, principalmente atrás de mantimentos, caso a chuva retorne ou se transforme num tornado. Mas o perigo, mesmo, está na neblina. E ficamos a par disso quando um homem chega, aos prantos e com ferimentos, ao mercado central, afirmando ter sido atacado “por algo que veio com as névoas”. Ele não sabe o que foi que lhe feriu. Mas o sangue em suas mãos e no rosto são provas mais que suficientes.

A partir desse momento não saímos mais daquele estabelecimento comercial, que se transforma em último front de resistência dos humanos ali encarcerados. E com o desenrolar dos acontecimentos vemos o surgimento de dois tipos de monstros: os que estão do lado de fora - e por mais bizarros que estes sejam, há uma explicação lógica para suas aparições - e os do lado de dentro - as transformações que os homens vão enfrentando quando sujeitos à limitações como fome, insegurança, sobrevivência e inveja. Talvez o espectador menos preocupado se entretenha suficientemente com os ataques externos. Mas o medo mesmo está dentro de cada um deles. E de nós também, claro.

O discurso empregado em O Nevoeiro é assumidamente crítico, e assuntos como religião, política e preconceito são fortemente discutidos. Além da coragem do diretor em colocar temas assim em debate no meio de uma história de monstros alienígenas que mais parecem ter saído de uma aventura do Quarteto Fantástico nas histórias em quadrinhos, há de se reconhecer sua segurança em não transformar isso numa paródia, num deboche, e sim ir gradualmente aumentando as conseqüências do que é revelado. E isso prossegue por todo o filme, até um final corajoso e devastador, de cortar o coração e deixar muita gente pensando após o término da projeção. Cinema é pra se divertir, claro. Mas quando estimula a reflexão, é melhor ainda.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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