Crítica

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Até onde você chegaria para assegurar a saúde ou a vida de um ente querido? Esta pergunta já foi feita e respondida por inúmeros filmes, colocando o protagonista em uma trajetória que muitas vezes o transforma em um anti-herói. Isso por conta das ações que acabam sendo necessárias para atingir tal objetivo, com os fins justificando os meios. Um Ato de Coragem (2001) talvez seja um dos títulos mais lembrados nesta seara, embora tenhamos outros exemplos menos óbvios como Um Dia de Cão (1976) para relembrar. Na produção mexicana O Monstro de Mil Cabeças, o diretor uruguaio Rodrigo Plá mergulha neste universo conhecido pelo espectador, mas traz uma crueza que o destaca dos demais.

Na trama, baseada no livro homônimo de Laura Santullo (que também assina o roteiro), conhecemos Sonia (Jana Raluy), uma mulher que está batalhando pela vida do seu marido. Depois de passar anos e mais anos pagando pelo plano de saúde, ela e o esposo não conseguem usá-lo quando ele fica doente. Justo no momento em que ele é mais necessário, a empresa responsável pelo plano se nega a pagar o tratamento, algo que significa a morte certa para aquele homem. Junto de seu filho adolescente Dario (Sebastian Aguirre Boeda), Sonia busca pelo médico que os atendeu e, ao saber que a negativa vem dos mais altos responsáveis, parte em uma procura desesperada e violenta pela realização de seus direitos.

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O mais triste em O Monstro de Mil Cabeças é saber que essa trama não é nada inverossímil. Existem milhares de pessoas que não são atendidas pelo seu plano de saúde – seja por culpa das letrinhas miúdas do contrato ou por problemas que vão muito além – e acabam sofrendo pela falta de tratamento. O longa-metragem de Rodrigo Plá maximiza a questão e faz com que sua protagonista saia em busca do atendimento justo para o seu marido. O que deve atrair o espectador nesta trama não é apenas a veracidade do assunto, mas a forma como que o cineasta concebe o longa-metragem. Com câmera na mão e uma fotografia despojada, o diretor cria uma atmosfera de realidade palpável. Como se o que estivéssemos vendo ali fosse uma reconstituição de um fato verdadeiro.

Méritos para a atriz Jana Raluy, que vive Sonia em um estado de nervos perene, criando uma atmosfera de muita tensão durante boa parte do filme. Ao nos colocarmos no lugar da protagonista, conseguimos entender – de alguma forma – pelo o que ela passa e ficar ao lado dela, até nos momentos mais perigosos. Sua relação com o filho é bem explorada neste contexto, visto que ele está sempre ao lado da mãe, mesmo não ficando claro necessariamente se ele compactua com os seus planos. Embora curto, o filme possui uma trama quase episódica, passando por personagem a personagem que cruza a frente de Sonia em sua mira pela justiça.

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Como acontece muito na vida, O Monstro de Mil Cabeças apresenta um final pouco otimista, nada diferente do que estávamos vendo até ali. O desfecho desse drama não poderia ser muito distante, dadas as escolhas que a protagonista fez durante todo o filme. Com bom ritmo  e uma câmera nervosa, Rodrigo Plá se mostra um competente maestro para este thriller, embora pudesse dosar melhor as informações, evitando a exposição excessiva de elementos em alguns momentos do roteiro, algo que talvez tenha sido herdado da versão literária, adaptada aqui para a telona.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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