Crítica

O mundo inteiro está maravilhado com a interpretação de Mickey Rourke em O Lutador! Este retorno triunfal vem sendo considerado o mais impressionante de Hollywood desde John Travolta em Pulp Fiction! Mas, a questão que fica é: será tudo isso merecido? Ou Rourke está sendo apenas ele mesmo na tela, como se o personagem da ficção fosse nada além do que uma versão romanceada da sua própria trajetória pessoal? Independente disso, no entanto, é preciso estar atento às inúmeras qualidades deste filme e ao fato de que o desempenho do protagonista é apenas mais um destes méritos – mesmo que seja, na opinião de muitos, o mais surpreendente de todos!

Indicado ao Oscar nas categorias de Melhor Ator e Atriz Coadjuvante, para uma cada vez melhor Marisa Tomei, O Lutador tem realmente como alicerce de sua estrutura o elenco excepcional. E isso que estamos falando de um grupo extremamente enxuto – além dos dois, há ainda com destaque somente Evan Rachel Wood (Across the Universe), no papel da filha abandonada que não consegue esconder a mágoa após tantos anos de descaso paterno. Os três formam um conjunto coeso e muito afinado, como um time que entendeu o recado e sabe o que fazer, sem precisar maiores explicações. E esta simplicidade e economia de atos, obviedades e sentimentos acaba funcionando com efeito contrário – enaltecendo o potencial da obra como um todo, concedendo-lhe uma grandiosidade provavelmente não imaginada por seus realizadores.

Chega a ser engraçado quando descobrimos que Rourke foi somente a terceira opção do diretor Darren Aronofsky – ele conseguiu o papel somente após as desistências de Nicolas Cage (que saiu por ‘divergências criativas’) e de Sylvester Stallone (que preferiu se ocupar com... Rocky Balboa!). Hoje, vendo o filme, é quase impossível pensar num outro ator para este papel. Ao vê-lo em cena esquecemos de qualquer técnica interpretativa – ele simplesmente vive o papel, desaparecendo por completo sob a figura ficcional. É um processo tão assustador quanto verdadeiro, compondo um dos raros casos em que ator e personagem nasceram um para o outro e praticamente inexistem afastados. O problema é que dificilmente conseguirá repetir tal desempenho. Afinal, tem mais de 20 anos de carreira e nunca, nem nos seus anos mais auspiciosos, conseguiu chegar relativamente perto do que vemos agora. É a atuação de sua vida!

E por que esta combinação é tão perfeita? Simplesmente devido ao fato de que a história de O Lutador e a da pessoa Mickey Rourke são absurdamente similares. O que vemos é um homem que já esteve no auge da carreira, mas o encontramos no ápice da decadência. Praticante de luta livre, faz duas décadas que ganhou seu principal título, e, após uma luta corriqueira, desmaia no vestiário e é levado ao hospital. Lá, descobre que teve um infarto e, caso se arrisque a entrar no ringue novamente, as chances de não sobreviver serão muito altas. Por isso deve reconstruir sua vida, retomando laços antigos – a filha – e criar novos – como a mulher pela qual acredita estar apaixonado, uma stripper (Tomei, fantástica, num registro que lembra o já visto em Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto, porém ainda mais ousado e comovente) mãe de um garoto que, assim como ele, também precisa de um novo rumo. Mas, como já se poderia esperar, nem sempre é fácil recomeçar do zero.

A dedicação de Mickey Rourke foi tanta que, assim como Bruce Springsteen, autor da canção-tema, aceitou trabalhar de graça em O Lutador. Mas valeu à pena – ambos ganharam o Globo de Ouro (cada um em sua categoria) – e ele está de volta às graças da Meca do cinema mundial. E Aronofsky, após o incompreendido Fonte da Vida (2006), retoma o exercício artesanal e independente de suas origens, como no soberbo Réquiem para um Sonho (2000). Seu trabalho é simplesmente limpar o caminho para os atores e evitar as fáceis armadilhas que uma trama como esta poderia resvalar. E isso faz muito bem. Este não é um filme esportivo, de segunda chance, de vitórias e derrotas, de grandes lições e pretensos ensinamentos - é tudo isso e muito mais. E é justamente por não ousar tanto que consegue provocar tamanho impacto. Um verdadeiro nocaute!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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