Crítica

É impensável no mundo ocidental atual que uma mulher não tenha direito de se separar de seu companheiro. Porém esse pensamento ainda hoje não é assim tão bem assimilado em Israel. Não há união, casamento ou divórcio através do civil. Essas cerimônias e acordos são realizados por rabinos. Logo, o estado não é laico e mantém o judaísmo enraizado em questões que não são prioritariamente de ordem religiosa. No final das contas, em uma religião dominada pela presença masculina, é quase sempre priorizada uma visão um tanto quanto machista. O divórcio, por exemplo, não é uma decisão conjunta ou apenas da mulher. Todo o processo é de decisão do marido. As mulheres são vistas como propriedade desses homens. O Julgamento de Viviane Amsalem, mais recente produção dos irmãos Ronit e Shlomi Elkabetz, evidencia esse tema de forma delicada e racional.

Viviane Amsalem (a própria diretora Ronit Elkabetz) há 3 anos busca por essa sua liberdade no tribunal de rabinos. O relacionamento dela com o marido, Elisha (Simon Abkarian), já não é mais o mesmo, e cansada de seu distanciamento, possessão e desdém, a protagonista opta pelo divórcio. Não houveram traições e violência doméstica, somente o relacionamento esfriou. Já Elisha discorda das conclusões de sua mulher, ignora a possibilidade de separação e insiste na ideia de reconciliação. Isso tudo se estende por um total de 5 anos. Entre as idas e vindas desse processo surgem depoimentos de parentes, amigos e vizinhos como uma forma de convencer o casal a fazer um acordo. Os personagens que aparecem testemunhando refletem um pouco do que os cidadãos do país enxergam sobre o assunto, a visão unilateral que predomina e está intrínseca na sociedade. Tanto que a ideia que o tribunal passa constantemente é de que Viviane possui uma boa vida, serve a seu marido e filhos e não há nada de errado nas atitudes de Elisha.

O filme tem ganhos diversos, entre eles ao mostrar tudo de forma sutil e com uma visão descentralizada. Se passando quase que inteiramente na humilde e pequena sala de julgamento, conhecemos a perspectiva de cada um dos lados, de Viviane e de Elisha, mesmo que a razão esteja com a protagonista. Os irmãos diretores dizem ter se baseado na própria mãe para a construção de Viviane e revelam pela terceira vez uma nova face da personagem que marca presença em outros dois títulos da dupla, uma trilogia iniciada em Ve'Lakhta Lehe Isha (2004) e continuada em Shiva (2008). Sempre trazendo a temática da liberdade e dos direitos da mulher em seu país através de Viviane Amsalem.

Muito bem construído, com um roteiro de diálogos exemplares, detalhes de figurino que trabalham com um ótimo subtexto e um jogo de câmeras que destaca closes e expressões dos atores, O Julgamento de Vivivane Amsalem é claustrofóbico e, de uma forma crescente, leva o público à analisar os absurdos que algumas mulheres passam mundo afora. Tudo isso só confirma que não é por nada que a luta feminista é atual e se intensifica a cada dia.

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é graduado em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas (RS) e mestrando em Estudos de Arte pela Universidade do Porto, em Portugal.
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