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Sinopse

Nova Orleans. Um assalto a um jogo de pôquer ilegal, cujos participantes eram integrantes da máfia, abala o submundo do crime. O matador profissional Jackie Coogan logo é contratado para investigar o caso, já que os chefões da máfia desejam que os responsáveis sejam punidos, mas sem estardalhaço. Entretanto, a hesitação de alguns dos participantes coloca a situação ainda mais fora de controle.

Crítica

A crise – econômica, social, ideológica – enfrentada pelos Estados Unidos está presente do início ao fim de O Homem da Máfia, título nacional equivocado dado ao interessante Killing them softly (algo como Matando com cuidado, muito mais apropriado). Ao invés de nos remeter a um combalido seriado televisivo dos anos 1980 (Wiseguy, 1987, batizado no Brasil como... O Homem da Máfia!) ou ao épico de Francis Ford Coppola, o que temos em cena é o crime do dia a dia, sem glamour nem nobreza. No lugar há sujeira, estupidez, burrices e soluções remediadas. Tal qual o próprio governo do maior país do planeta, que tenta a todo custo reencontrar seu rumo, mesmo que neste processo esteja empurrando para baixo do tapete temas e assuntos que não devem ser ignorados.

Escrito nos anos 1970 por George V. Higgins, que o batizou como Coogan’s Trade (ou O Acerto de Coogan), este texto ganha agora às telas com uma impressionante atualidade, contando o que acontece quando Coogan (Brad Pitt) é chamado para resolver um problema já grande e que tem tudo para piorar. Ele é um assassino de aluguel, mas dono de um estilo próprio, com leis pessoais e diretrizes muito estritas. A degradação atual lhe desagrada, e por isso a necessidade de encarar seu papel mais como um ‘organizador’ do que propriamente de um contraventor. Coogan se faz presente para por ordem às coisas que não estavam sendo levadas à sério. Uma participação tão perigosa quanto imprescindível.

Um arranjador de quinta categoria convoca dois ladrões pé de chinelo para um crime que parecia ser perfeito: limpar a boca de jogos local. Isso porque o atual controlador deste esquema (Ray Liotta, de Os Bons Companheiros, 1990) armou este mesmo golpe anos atrás e conseguiu se safar ileso. A questão é que, agora, todos sabem disso, e caso a situação se repita, evidentemente ele seria o principal suspeito. E dito e feito: o roubo acontece e as desconfianças recaem logo naquele que, ao menos dessa vez, é inocente. Mas não demora para que essa verdade se manifeste, e será preciso não somente descobrir os reais culpados, como também aplicar neles um corretivo à altura. É para isso que Coogan é chamado. Mas ele, por sua vez, pede a ajuda de um ex-colega (James Gandolfini) para lidar com as questões mais complicadas – afinal, ele conhece um dos envolvidos. Mas, ao contrário do que se esperava, o antigo amigo hoje é um viciado em bebida e em prostitutas. A decadência, como se percebe, está por todos os lados e nos mais variados âmbitos.

Leva-se mais de meia hora para que Brad Pitt apareça em cena pela primeira vez em O Homem da Máfia. Andrew Dominik, que já havia trabalhado com o ator no belo e contemplativo O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (2007), não tem pressa em relação aos acontecimentos da sua trama. Elas estão ali, diante de nós, e é muito mais interessante percebê-las mediante suas origens e consequências do que pelos atos em si. O visual é outro elemento importante, e neste ponto o filme recente é um deleite. Mas se o encanto registrado pela fotografia em determinados momentos ameaçam o bom desenvolvimento da história, esses alertas, felizmente, não chegam a se confirmar. Tudo é muito estudado e preciso, desde a interpretação do protagonista – Brad está visivelmente satisfeito, à vontade em um personagem que remete ao início da sua carreira, de filmes como Kalifornia (1993) e Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995) – mas agora aproveitando o distanciamento do tempo, mais sábio e experiente. O mundo pode ser outro, mas os dilemas seguem similares.

A presença política pode ser considerada exagerada por alguns – começamos no meio de um debate entre os então candidatos à presidência John McCain e Barack Obama e seguimos até o discurso da vitória deste último, com imagens da bandeira e de outros ícones norte-americanos pontuando toda a narrativa. Mas o que O Homem da Máfia quer colocar em evidência é um mundo em que o individualismo adquire força a todo instante, e a possibilidade de mudar – Yes, We Can! – é cada vez mais remota. Pessoas como Coogan só encontram espaço neste cenário devido à imensa incompetência daqueles ao seu redor. E se os demais não melhoram, o carrasco não deve ser culpado por fazer o que outros não conseguem – o mérito está justamente em ser capaz de ir além da mediocridade. Mesmo que no final se encontre sozinho.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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