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Sinopse

Tendo recuperado sua terra natal do dragão Smaug, a Companhia involuntariamente despertou uma força mortal para o mundo. Enfurecido, Smaug espalha sua ira sobre homens, mulheres e crianças indefesas da Cidade do Lago.

Crítica

Uma última vez. Assim que se apresenta O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, capítulo derradeiro da segunda trilogia de Peter Jackson sobre a Terra Média criada pelo escritor J.R.R. Tolkien há mais de meio século. No entanto, assim como outra saga muito popular no universo cinematográfico também composta por duas sequências de três filmes, essa não se dá de forma cronológica. Portanto, o terceiro filme precisa não apenas colocar um ponto final da história que está sendo contada, como ainda estabelecer as conexões necessárias para o que vem a seguir – e que já foi muito bem visto em O Senhor dos Anéis. Além disso, há outras obrigações, como a necessidade de ser grandioso a ponto de impressionar, porém sem eclipsar os ganhos anteriores, e da mesma forma seguir inovando, apresentando novidades e surpresas que contribuam com o todo, ao invés de capturarem as atenções apenas para si. E o melhor é perceber o quão bem sucedida essa obra é em cada um destes aspectos.

A decisão de dividir o livro O Senhor dos Anéis em três filmes era lógica: além de ter mais de mil páginas, fora lançado originalmente em três volumes: A Sociedade do Anel (2001), As Duas Torres (2002) e O Retorno do Rei (2003). O mesmo, no entanto, não se poderia afirmar a respeito de O Hobbit. Publicado anteriormente – e contando uma história prévia aos eventos mostrados em O Senhor dos Anéis – este romance possui menos de 300 páginas e apresenta uma trama mais simples – Tolkien, o autor, afirmava que havia escrito esse conto pensando nas crianças, quase como um experimento antes de sua obra maior. Após o impressionante sucesso da saga original nos cinemas – quase US$ 3 bilhões arrecadados nas bilheterias e 17 Oscars conquistados – nada mais natural que se voltasse ao mesmo universo. E se muitos afirmam que O Hobbit apresentava material para apenas mais um filme, Jackson pensou de imediato logo em dois. No entanto, durante o desenvolvimento do projeto, percebeu-se ser mais adequado o formato triplo. E assim temos, após Uma Jornada Inesperada (2012) e A Desolação de Smaug (2013), a conclusão em A Batalha dos Cinco Exércitos.

Mas haveria conteúdo suficiente para uma nova trilogia, ou seria apenas mais do mesmo, esticado até não poder mais? Se nos dois primeiros episódios essa dúvida se revelou válida em mais de um momento, agora percebemos a magnitude do plano do diretor e verificamos quão válida é sua proposta tal qual foi construída. Afinal, O Hobbit era quase independente de O Senhor dos Anéis, não fosse por dois elementos: a presença do mago Gandalf (Ian McKellen) e a primeira aparição do Um Anel – aquele que a todos governa – rápida e sem maiores consequências, apenas plantando uma semente que seria melhor explorada depois. Jackson, no entanto, não poderia ser tão leviano. Ele não estava fazendo apenas um teste, como Tolkien assim descreveu décadas atrás. Precisava, sim, realizar algo tão surpreendente e impressionante quanto fizera antes, mas com os ingredientes necessários para ligar uma trama à outra. E assim o fez, com total competência e segurança.

Quando A Desolação de Smaug termina, o dragão que dava título ao filme abandonava a Montanha Solitária e partia rumo à Cidade do Lago, preparado para a destruição da vila humana. Mas o que é O Senhor dos Anéis senão a ressurreição do mundo dos homens? Os elfos estão indo embora, magos e anões não mais existem e os hobbits são tão pequenos e imperceptíveis que ninguém chega a percebê-los de fato. Cabo a estes, o que sobreviveram, portanto, assumir a responsabilidade de fazer deste universo um lugar de paz duradoura e contínua. Mas para haver o Bem, é preciso o Mal. E ele está presente desde o início, como uma sombra de mau agouro que se aproxima, fortalecendo-se aos poucos. Não a vê apenas quem não quer – ou quem possui segundas intenções. E nós sabemos muito bem de quem estamos falando.

Se Smaug, o Dragão (Benedict Cumberbatch), era figura central no segundo filme, o terceiro só é possível após sua eliminação. E o diretor é rápido neste sentido, acabando com essa ameaça ainda antes dos créditos. Bard (Luke Evans), o homem descendente daquele que falhou em eliminar o monstro tantos anos atrás, precisa não só recuperar a honra da família como também preparar seus iguais para a batalha que está por vir. Tem-se, portanto, o primeiro exército. Com a Montanha Solitária livre da fera que a protegia há décadas, todos os interesses da Terra Média se voltam a ela. Os elfos, liderados por Thranduil (Lee Pace), querem de volta o que lhes pertence – segundo exército – assim como os anões farão de tudo para proteger o lar recém-conquistado – terceiro exército. E todos esses, além de lidarem entre si com suas desavenças, terão pela frente um inimigo em comum: os selvagens orcs – o quarto exército.

A Batalha dos Cinco Exércitos simplesmente não permite que ninguém, independente de que lado da tela se esteja, respire com tranquilidade. A ação é quase ininterrupta e muito bem encadeada, com cada evento fazendo pleno sentido e conduzindo a um outro ainda mais apoteótico. Se presenciar Galadriel (Cate Blanchett), a rainha élfica, partindo para a luta com plenos poderes pela primeira vez já é inebriante, entender porque Saruman (Christopher Lee) é o Branco – ou seja, o mais poderoso de sua ordem – é um prazer singelo. O drama romântico que envolve Legolas (Orlando Bloom, em perfeita sintonia com o personagem que conhecemos desde A Sociedade do Anel), a elfa Tauriel (Evangeline Lilly) e o anão Kili (Aidan Turner) surge nos momentos certos – e sua conclusão é emocionante na medida correta, sem roubar a luz de outras situações e nem a ponto de ser descartável.

Mas a despeito de todas estas correntes – cada uma dona de interesses específicos, porém particulares – a alma de A Batalha dos Cinco Exércitos está, mais do que nunca, no líder Thorin (Richard Armitage, uma presença dominante), o rei dos anões, e no pequeno hobbit Bilbo (Martin Freeman, cativante e determinado), o ladrão improvisado que terá pela frente as decisões mais difíceis do enredo. Se o primeiro acaba sucumbindo à doença da Montanha – algo há muito anunciado e pouco levado à sério até então – será o segundo a voz da razão para os povos em conflito, mostrando-se de uma vez por todas como até o menor dos envolvidos pode ser aquele com mais força e responsabilidades. Armitage e Freeman reprisam com um efeito singular a parceria vista em O Senhor dos Anéis em Viggo Mortensen (Aragorn) e Elijah Wood (Frodo), dividindo o protagonismo da história sem em nenhum momento deixar as atenções serem desviadas, respondendo ambos pelos momentos mais eletrizantes desta saga.

É com um imenso pesar no coração que nos despedimos da Terra Média em A Batalha dos Cinco Exércitos. Peter Jackson conseguiu outra vez, entregando aos fãs ou mesmo meros curiosos um épico no sentido mais apurado do termo, grandioso e envolvente, que comove na hora certa, sem medo de se arriscar ou desagradar um ou outro mais radical. E se a chegada do quinto exército pode ser vista como o exercício de um deus ex-machina, basta olhar para trás e entender o quanto isso faz sentido neste contexto. Tolkien não poderia estar mais orgulhoso, assim como cada um dos envolvidos na concepção deste filme arrebatador, que pega o público sobre suas asas e o leva consigo por uma jornada que, definitivamente, nunca será esquecida.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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