Crítica

Quatro jovens – crianças e adolescentes – lutando para superar as adversidades em localidades distintas do mundo. Essa é a fórmula de O Grande Dia, reciclada pelo francês Pascal Plisson de seu trabalho anterior, A Caminho da Escola (2013), documentário que acompanhava a árdua travessia de cada protagonista para chegar até à sala de aula. Agora, o objetivo dos novos personagens ganha outra dimensão: eles estão em busca da realização de seus grandes sonhos, simbolizados, em todos os casos, pelo sucesso em atividades que possam lhes garantir, bem como para suas famílias, uma melhor condição de vida. Em Cuba, Albert deseja entrar para a Academia de Boxe de Havana e se tornar um campeão olímpico. Já na Índia, Nidhi estuda com afinco para ser selecionada pelo programa Super 30 e ter a oportunidade de cursar uma faculdade de tecnologia. No Parque Nacional de Queen Elizabeth, em Uganda, Tom disputa uma vaga para guarda florestal. Por fim, na Mongólia, acompanhamos a pequena Deegii, que treina incansavelmente para se tornar uma contorcionista.

Desde os primeiros planos, fica clara a opção de Plisson por um registro não naturalista de toda a preparação que antecede o dia que poderá transformar o futuro do quarteto principal. Os personagens parecem ignorar a existência da câmera, não dão depoimentos – ao menos não até os minutos finais – e agem quase sempre de um modo que soa programado, ensaiado, como se estivessem atuando numa obra de ficção onde interpretam a si mesmos. Essa escolha não significa que o cineasta esteja visando explorar os limites entre a linguagem documental e a ficcional – Plisson está, evidentemente, muito distante de um Eduardo Coutinho – sua intenção parece ser apenas a de dramatizar as histórias reais que tem em mãos. Algo que demonstra uma descrença na força intrínseca do material, fazendo com que o longa, que lida diretamente com o comportamento infantil, perca quase por completo a pureza do elemento do inesperado.

O documentário segue justamente o caminho oposto: o da previsibilidade. Com diálogos simplórios e situações forçadas – vide, por exemplo, a cena em que as colegas de Deegii surgem para lhe desejar boa sorte na apresentação da seleção para o circo – a encenação proposta por Plisson quase nunca transmite espontaneidade, exceção feita às participações de Roberto, o falastrão amigo de Albert que garante alguns lampejos de humor, mas que também cai na representação excessiva em determinados momentos. Desta forma, o cineasta deixa escapar o que há de mais interessante nos dois universos, não alcançando a pujança da dramatização – elemento que tenta compensar através da incessante e lacrimosa trilha sonora – já que seus intérpretes, especialmente os adultos, não possuem recursos suficientes, nem a veracidade e urgência do relato documental.

Sufocado por uma embalagem artificial, o trabalho de Plisson oferece uma visão apaziguadora, filtrando qualquer potencial conflito causado pela pobreza, ou por outros infortúnios que marcam a existência dos personagens, para apresentar um produto mais palatável. Se por um lado não apela para a exploração da estética da miséria, por outro, o cineasta capta a beleza das paisagens naturais, como a do parque em Uganda, ou da arquitetura de Havana e Benares, sob a perspectiva do exotismo, deixando de examinar mais profundamente o meio como elemento moldador do caráter dos jovens. O retrato dos personagens se mantém superficial, oferecendo pouco sobre outras características de suas personalidades, sem se aprofundar na sua cultura, nos seus sentimentos ou pensamentos. Tudo se resume às suas missões, ao complemento do trajeto necessário para alcançar um sonho.

Há ainda um desequilíbrio narrativo, causado pelo peso díspar dado a cada história. Afinal, os desafios físicos possuem um potencial para a plasticidade muito maior do que os intelectuais e, por isso, Plisson despende um tempo significativamente mais elevado com as jornadas de Deegii, com suas sofridas aulas de contorcionismo, e de Albert, com seu empenho sobre o ringue. Contudo, a estrutura de filme-coral faz com que o clímax, especialmente no caso do menino cubano, perca muito de seu impacto, já que o diretor intercala a luta final, que poderá ou não valer a Albert a tão desejada vaga na Academia, à revelação dos destinos dos outros três personagens. Assim, O Grande Dia se encaminha para uma conclusão sem muitas surpresas e sem a carga emotiva desejada.

Os poucos sentimentos genuínos extraídos por Plisson surgem quando adentra mais claramente a esfera documental e registra os depoimentos comoventes dos pais de Albert e Nidhi. Estes momentos, porém, não compensam o tratamento brando dado pelo cineasta, pois, até mesmo quando o fracasso se faz presente em meios às conquistas vistas no desfecho, suas consequências são logo atenuadas para que a mensagem inspiracional edificante de superação não seja abalada. Não que os feitos dos jovens não sejam admiráveis, sem dúvidas são, e justamente por este motivo mereciam uma representação que os exaltasse de modo mais sincero. No fim, a abordagem de Plisson, por mais bem intencionada que possa ser, além de não elevar a força da realidade, acaba arrastando-a para a genericidade de um drama de ficção trivial e pouco eficiente.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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