O Filho Uruguaio

LIVRE 96 minutos
Direção:
Título original: Une vie ailleurs
Gênero: Drama
Ano:
País de origem: França / Uruguai

Crítica

4.7

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Sinopse

É no Uruguai que Sylvie finalmente encontra a pista sobre o paradeiro de seu filho, sequestrado há quatro anos pelo ex marido. Com a ajuda preciosa de Mehdi, ela vai recuperá-lo, mas ao chegar lá, nada acontece como previsto: a criança, criada por sua avó e sua tia, parece feliz e radiante. Sylvie percebe que Felipe cresceu sem ela e que agora sua vida é em outro lugar.

Crítica

Os movimentos iniciais de O Filho Uruguaio são de análise, tanto dos personagens, que estudam meios para viabilizar um plano complicado, quanto do espectador, instigado a saber do que se trata tudo aquilo. Os franceses Sylvie (Isabelle Carré) e Mehdi (Ramzy Bedia) chegam ao Uruguai em busca do filho dela, sequestrado pelo pai há mais de cinco anos. Cabe ao assistente social ajudar a mãe nessa reaproximação difícil, e mais, se necessário, no rapto do próprio filho para repatria-lo à força. Está deflagrada a situação intrincada que norteia o longa-metragem dirigido por Olivier Peyon. O registro é naturalista, sem composições visuais complicadas. Isso nos aproxima cruamente das vivências das pessoas enredadas nessa circunstância repleta de meandros e complexidades, fragmentos então abordados com sensibilidade. Mehdi é incumbido de ir ao interior, onde o pequeno Felipe (Ramzy Bedia) mora atualmente com a tia, Maria (María Dupláa), e a avó, Norma (Virginia Méndez), para cativá-lo.

O protagonismo de O Filho Uruguaio é cambiante. Primeiramente, o centro das atenções é Sylvie e a insólita conjuntura que a leva de volta ao país do ex-marido. Isabelle Carré sustenta a expressão carregada de uma mãe à procura de seu bem mais precioso, sem garantias de conseguir, ao menos, convencê-lo a voltar à França. A partir da chegada de Mehdi à Florida, cidadezinha em que Felipe cresce, é ele quem assume o lugar de destaque. Somos instados a compartilhar as dificuldades de sua missão adensada na medida em que absorve elementos locais. Bedia expressa com muita veracidade o estado de confusão que sobrevém ao contato mais próximo com o garoto e Maria, de quem fica imediatamente chegado. Com as relações ganhando novas dimensões, passamos a duvidar se o correto, em princípio, seria a melhor solução para o destino de Felipe, afinal de contas ele está perfeitamente estabelecido.

Os questionamentos que surgem por conta da evolução da trama resultam do talento do realizador para acrescentar interesses secundários no enredo, senão inteiramente relativos ao primário, certamente influentes. Assim como Mehdi, ganhamos familiaridade com o cotidiano do garoto, sabendo em quais lugares ele gosta de brincar ou como melhor lhe convém gastar o tempo livre. O Filho Uruguaio confere proeminência à Maria, dando-lhe relevo quando o encontro entre mãe e filho se torna inevitável. Nesse momento, ela e Sylvie, insolitamente, se alinham, pois ambas demonstram ser guiadas, bem ou mal, pelo instinto materno. Mesmo a avó, essencialmente coadjuvante, tem sua importância, pois elo imprescindível entre as mentiras e as verdades. Olivier Peyon se vale de um roteiro bastante sóbrio, que vai direto ao ponto, sem firulas, dosando os rompantes emocionais, evitando exageros desnecessários.

Sem vociferar sentenças sobre certos ou errados, O Filho Uruguaio pretende compreender, antes de qualquer coisa, os efeitos de um cenário potencialmente avassalador como o apresentado, partindo de diversos vieses para oferecer um panorama multifacetado. Dessa intenção poderia decorrer dispersão ou mesmo enfraquecimento dos núcleos individuais. Felizmente não é o que ocorre aqui, em virtude da habilidade do cineasta para engendrar as particularidades em função do todo. Contando, ainda, com o desempenho consistente do elenco, a produção aposta na simplicidade, privilegiando os sentimentos em voga, inclusive nos desdobramentos e nas soluções da ciranda, em cujo centro está uma criança inocente quanto ao turbilhão prestes a abatê-la. Neste filme dado a aproximar-se do genuíno, não há espaço à prevalência de artificialismos. Seu maior mérito, porém, é não hierarquizar a experiência dos envolvidos, concedendo peso semelhante aos partícipes do drama.

Marcelo Müller

Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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