Crítica

Para o público, a história inicia nos primeiros minutos, com a cena borrada na qual vislumbra-se apenas um vulto. Compreendê-la requer um passado desconhecido, restrito às memórias de Olivier, Magali e Francis. Na expectativa de perseguir esse momento é que enveredamos pela trama de O Filho.

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Escrito e dirigido por Jean-Pierre e Luc Dardenne, o longa é o quinto trabalho dos irmãos belgas, o terceiro após os sucessos de crítica A Promessa (1996) e Rosetta (1999), responsáveis por dar destaque à dupla. Seguindo o registro realista dos trabalhos anteriores, O Filho nos leva a acompanhar Olivier (Olivier Gourmet), um marceneiro envolvido em um centro de recuperação de menores. Lá, onde ensina aos meninos uma atividade a fim de reinseri-los na sociedade, encontrará Francis, um adolescente que fora preso por roubo e assassinato.

Como uma janela que deixa transparecer uma quantidade limitada de visão, o enredo revela-se lentamente. Nesse método, aposta-se tudo na paciência e na atenção do espectador. É preciso gerir o tempo para que a contenção das informações promova o suspense e alimente a trama. À medida em que adentramos a relação entre Olivier e Fracis e compreendemos como ela se dá, reconstituímos o passado de ambos de maneira tímida, sinal de que algo secreto, praticamente impronunciável está prestes a ser revelado.

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O principal conjunto de informações chega através do roteiro, quando Magali (Isabella Soupart) encontra Olivier. O movimento é simples e extremamente profundo. Em um breve diálogo entrecortado, descobrimos que foram casados. Ela comenta sobre recomeçar e sobre a gravidez. Ele silencia e se espanta. Tal como uma epifania, Olivier percebe ela disposta a superar o motivo que os separou e seguir adiante. Ele ficará preso ao passado. O filho não é seu.

Em um gesto sensível, como integrado ao espírito moral da trama, o diretor de fotografia e contumaz parceiro da dupla Alain Marcoen (Dois Dias, Uma Noite e O Garoto de Bicicleta) abre mão de uma repertório estético tradicional a fim de trabalhar, tal qual o espectador, na limitação, praticamente como um voyeur. A câmera está para acompanhar, não para julgar. Há apenas um plano durante todo o filme, desenvolvido com a mesma rigidez temerária com que Olivier passa a encarar o seu ofício após descobrir o motivo que levou Francis à prisão. Tímido e esquivo, o olhar alterna entre expressão (rostos) e ação (mãos e pés). Assim como o início, o que está fora do enquadramento não vem par ser compreendido.

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Se o protagonista de O Filho fosse um personagem de convicções, o longa certamente se encarregaria de assumir a forma de um conto moral. Mas esse não é o cinema que os Dardenne pretendem construir. Olivier é limitado e medroso, e qualquer ação que venha a sair dele não deve ser tomada por lição. Sem um guia, não há o que possa ser ensinado. Em um cinema realista torcemos pelos personagens assim como por nós mesmos no dia a dia. Espero que esta seja a coisa certa a ser feita, soa o sussurro de um filme que discute os limites da bondade e da tolerância frente a um mundo frágil e danificado.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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