Crítica

Um dos melhores filmes do ano de 2007! Vencedor de 37 prêmios internacionais e dono de outras quase 30 indicações. Finalista em quatro categorias no Oscar, além de premiado no Globo de Ouro, no Festival de Cannes, no National Board of Review, no BAFTA e no César. Elogiado pela crítica nos dois lados do Atlântico. São tantos os adjetivos quando se fala de O Escafandro e a Borboleta que chega a ser difícil saber por onde começar. Mas a verdade é única: trata-se de uma visão muito acima da média, um olhar exaustivo e detalhado sobre o processo de criação diante das condições mais adversas, de como o espírito artístico consegue sobreviver mesmo quando tudo ao seu redor está indo contra a corrente e, principalmente, um libelo à liberdade e ao amor. Por mais incongruente que esta possa se manifestar, é sim uma lição de vida, com todas as qualidades e defeitos que consegue comportar durante uma existência.

Assim como nos seus filmes anteriores - Basquiat, de 1996, que levava o nome do pintor biografado, e Antes do Anoitecer, de 2000, sobre o escritor cubano e homossexual Reinaldo Arenas - o diretor norte-americano Julian Schnabel centra sua atenção neste novo trabalho na história de um homem, um artista acima de tudo, e em como a arte será fundamental na sua luta pela sobrevivência. Depois de passear por Nova York e por Cuba, desta vez ele vai para o interior da França acompanhar o triste e verídico destino de Jean-Dominique Bauby (Mathieu Almaric, de 007 - Quantum of Solace, 2008), editor da Revista Elle que, aos 43 anos, sofre um derrame cerebral e perde absolutamente todos os movimentos do corpo, com exceção do olho esquerdo. E, mesmo neste estado, consegue ditar um livro inteiro, contando não só sua vida, repleta de excessos e emoções, como também discorrendo sobre esta nova condição, aprofundando-se nesta visão de mundo até então inédita. Um trabalho que supreendeu a todos, não só pelo simples fato de ter sido realizado, como também pela qualidade superlativa que possuía. Fato este que, por si só, já justifica a realização do filme.

Mas Schnabel não é um acomodado. E ele vai além da mera reinterpretação pictórica do que foi narrado pelo protagonista. Ele assume a posição do afetado, e nos faz passar pela mesma condição. Vemos o que ele enxerga, impassíveis e revoltados, tão indefesos e desorientados quanto o próprio. Por outro lado, o processo de identificação de intensifica absurdamente. Em instantes estamos pensando em como reagiríamos se estivéssemos no lugar dele - e, neste momento, a audiência já está conquistada e o filme, por assim dizer, ganho. Somos todos, em ambos os lados da tela, seres perdidos no fundo do mar e aprisionados em escafandros abafados, esperando pelo momento em que iremos nos revirar neste casulo até então impenetrável e nos revelar borboletas prontas para o vôo mais alucinado possível. Nem que este aconteça apenas no nível da imaginação.

O Escafandro e a Borboleta, apesar de ser uma co-produção com os Estados Unidos, é inteiramente falado em francês, o que indica porque recebeu o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, quando merecia, na verdade, o troféu principal. Levou também o prêmio de Melhor Direção, categoria em que foi indicado também no Oscar, além de Roteiro Adaptado (escrito por Ronald Harwood, premiado por O Pianista, 2002), Fotografia (de Janusz Kaminski, oscarizado por A Lista de Schindler,  1993, e O Resgate do Soldado Ryan, 1998) e Edição. Apesar do tema um tanto mórbido - um moribundo redescobrindo os verdadeiros valores da vida - o longa tem também o mérito de ser surpreendentemente leve, envolvendo o espectador aos poucos, sem grandes sobressaltos ou reviravoltas. De imediato somos confrontados com aquela realidade, e lentamente convidados a tomar conhecimento de como tudo aquilo aconteceu e, principalmente, como era a vida daquele homem antes desta tragédia. Outros destaques que merecem ser mencionados, além da interpretação soberba do protagonista, são as participações de três nomes de destaque no elenco: Emmanuelle Seigner (Piaf, 2007), como a ex-esposa, Marie-Josée Croze (As Invasões Bárbaras, 2003) e o veterano Max von Sydow. Cada um deles, a sua forma, é responsável por momentos de grande emoção e tensão, contribuindo definitivamente para o bom resultado final.

Mais do que uma aula de como superar dificuldades e sem ter como foco principal transmitir mensagens, O Escafandro e a Borboleta se explica por si só, atingindo a posição de uma verdadeira lição de cinema. Original, criativo e inovador, é um longa que merece ser descoberto tanto pelos apaixonados pela sétima arte como por todos aqueles atrás de boas histórias e que apreciem qualquer demonstração de novidade nas telas. Merecidamente reconhecido pela crítica e pela indústria, falta-lhe apenas encontrar-se com o público, completando assim um ciclo que, sob todo e qualquer aspecto, tem todos os quesitos para fazer parte.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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