Crítica

Há muitas histórias curiosas a respeito de O Dragão Chinês, um dos maiores sucessos da fulgurante carreira de Bruce Lee. Para se ter uma ideia, ao estrear, em 1971, se tornou o maior recordista de bilheteria de todos os tempos em Hong Kong, superando os oscarizados A Noviça Rebelde (1965) e Tora! Tora! Tora! (1970), por exemplo. No entanto, o mais curioso talvez seja perceber que esse é um filme que dificilmente foi planejado para ser tal como foi realizado, enfrentando diversos problemas durante sua produção – como a troca de diretores – e resultando em uma obra que não soube envelhecer, revelando-se hoje, mais de quarenta anos após o seu lançamento, tola a ponto de ser quase uma paródia dos melhores momentos do astro. Evidentemente, portanto, muito aquém de seu talento precoce e incapaz de oferecer uma luz que possa, ao menos, oferecer pistas que justifiquem a força de sua presença até hoje na cultura pop mundial.

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Após uma série de trabalhos em Hong Kong e de participações de grande impacto na televisão (como no seriado O Besouro Verde, 1966-1967), Bruce Lee estreou como protagonista na tela grande justamente com O Dragão Chinês, filme que não foi pensado para o seu estrelato – o personagem principal deveria ter sido interpretado por James Tien, que foi substituído em meio as filmagens, tendo assumido o papel de Hsiu Chien, o primo bom de luta que some no meio da história. Essa, aliás, é uma das explicações para Lee ficar quase até a metade do filme sem lutar. Com o uso de uma premissa vaga de que sua mãe lhe entregara um pendão de jade para que nunca esquecesse de sua promessa de não se meter em brigas de rua, ele passa se contendo diante de injustiças e absurdos, até não poder mais ficar parado. Quando é atacado e seu amuleto se quebra, vê ali o sinal que precisava: havia chegado o momento de agir e partir para a ação.

O enredo é bastante simples. Cheng Chao-an (Bruce Lee) é um parente distante que vai morar com o tio e trabalhar em uma fábrica de gelo. Quando colegas começam a sumir misteriosamente, os trabalhadores se unem para exigir explicações, e caberá ao novato liderar suas manifestações e defendê-los nos momentos de maior perigo. A questão é que o dono da companhia está traficando heroína, que vai escondida nas barras de água congelada. Cada operário que descobre o esquema ou aceita participar da ação ilegal, ou é assassinado. É curioso observar que não se parte para a pancadaria imediatamente, como poderia ser em uma trama de artes marciais mais genérica. Tenta-se o diálogo antes, e mesmo quando o herói parte atrás de respostas, ele chega a ser aliciado em uma noite de jantar elegante e prostitutas acolhedoras. Sexo e álcool podem turvar suas intenções e até afastá-lo dos amigos, mas não irá demovê-lo de sua busca por justiça.

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Por mais que Bruce Lee estivesse determinado a se tornar um ator de respeito, e não apenas um mero lutador carismático e fotogênico, suas intervenções na realização desse filme pouco efeito tiveram. As lutas – invariavelmente colocando o protagonista diante de um verdadeiro exército de inimigos – são previsíveis e mal coreografadas – os ataques nunca são conjuntos, sempre indo um oponente por vez, para possibilitar que sejam eliminados sem muito trabalho. Uma edição bastante equivocada – alguns truques de imagem são ridículos de tão evidentes – e uma condução problemática fazem com que o conjunto beire o risível, se não constrangedor. Resta, por fim, ao menos a percepção de que Lee estaria, de fato, destinado a voos maiores e mais consistentes. Pena ter nos deixado tão cedo, com apenas 32 anos de idade, provocando uma saudade que títulos como O Dragão Chinês estão longe de apaziguar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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