Crítica

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Se analisado detidamente, O Dono da Noite é quase um remake de Gigolô Americano (1980), também de Paul Schrader. O próprio diretor, aliás, considera que os dois filmes fazem parte uma trilogia do homem solitário, completada em 2007 com O Acompanhante. As semelhanças estão principalmente, claro, na solidão dos respectivos protagonistas de Gigolô Americano (Richard Gere) e de O Dono da Noite (Willem Dafoe), mas também na maneira como ambos vagam pela noite de uma grande cidade norte-americana proporcionando prazer a desconhecidos: Julian (Gere), por meio do sexo; John LeTour (Dafoe), pelas drogas.

No entanto, há uma diferença importante entre os filmes: enquanto Gigolô Americano parecia anunciar uma era de hedonismo, O Dono da Noite, feito doze anos depois, é atravessado por um clima de ressaca, de fim de festa. Não à toa a personagem de Susan Sarandon está deixando o negócio das drogas – e consequentemente, por ser sua chefe, quase forçando LeTour a fazer o mesmo. Ciclos se fecham. Não à toa, também, o protagonista vive angustiado, insone, como que pressentindo algum acontecimento ruim, talvez o fim de sua própria existência. E por mais que LeTour se vista elegantemente (com roupas desenhadas por Giorgio Armani, como as de Richard Gere em Gigolô Americano), há em O Dono da Noite um aspecto de constante sujeira, ressaltado pela greve dos lixeiros em Nova York que pontua a narrativa, decorando com pilhas de lixo os espaços da cidade por onde o protagonista passa.

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Mas talvez o que mais afaste os dois filmes seja a aposta de Schrader numa intensidade dramática que não existe em Gigolô Americano – que é propositalmente desdramatizado, já que reconhecidamente inspirado em O Batedor de Carteiras (1959), de Robert Bresson. Há em O Dono da Noite, por exemplo, uma cena de sexo entre os personagens de Dafoe e Dana Delany mais excitante (e basicamente pelo que os personagens falam) que todos os momentos semelhantes de Gigolô Americano, que, vale lembrar, é sobre um personagem que trabalha com sexo.

A relação entre essas duas figuras, aliás, é o coração de O Dono da Noite: o amor que LeTour ainda nutre por sua ex-companheira vem acompanhado da culpa pelo comportamento destrutivo do passado, que a arrastou com ele para o fundo do poço, e é comovente vê-lo tentar se redimir, reconstruir aquela história – o que para ela é totalmente impossível. Coração, amor, comovente... palavras que dificilmente poderiam se associar a Gigolô Americano, mas que aqui estão em seus devidos lugares.

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Pouco lembrado na filmografia do Schrader diretor, que por si já não é muito valorizada (ao contrário de alguns de seus trabalhos como roteirista, sobretudo da parceria com Martin Scorsese), O Dono da Noite é um filme muito bonito, bem mais do que se poderia imaginar vindo de quem vem e falando do que fala. Uma pequena joia do cinema americano do início dos anos 90 que merece ser descoberta.    

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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