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Sinopse

Uma pequena comunidade vive em um mundo aparentemente ideal, sem doenças nem guerras, mas também sem sentimentos. Para tanto uma pessoa é encarregada a armazenar estas memórias, de formar a poupar os demais habitantes do sofrimento e também de guiá-los com sua sabedoria. De tempos em tempos esta tarefa muda de mãos e agora cabe a um jovem, que precisa passar por um duro treinamento para provar que é digno desta tarefa.

Crítica

Desde a virada do século, com o surgimento das sagas Harry Potter (2001-2011) e Crepúsculo (2008-2012), adaptações de sucessos literários tipicamente voltados ao público adolescente se tornou uma febre em Hollywood. E dentro deste contexto, tem ganhado força nos últimos tempos aquelas histórias que desenham futuros utópicos problemáticos, com situações de liberdades cerceadas e pouco respeito ao individualismo – reflexo óbvio ao sucesso do primeiro Jogos Vorazes (2012). Só neste ano já tivemos o similar Divergente (2014), e é neste mesmo tom em que se insere O Doador de Memórias, longa que até contém alguns créditos de destaque, porém pouco se esforça para ir além da condição de genérico em relação aos demais já citados e vistos anteriormente.

No universo verificado em O Doador de Memórias, o mundo restringe-se a uma cidade em que tudo é milimetricamente controlado. Aqui as pessoas são obrigadas a, diariamente, tomarem uma injeção que, ao invés de fortalecê-las contra possíveis doenças – como são levadas a acreditar – apenas a inibem de qualquer tipo de sentimentos mais fortes. Temos, portanto, pessoas quase apáticas, que pouco sentem em relação ao mundo ou mesmo entre elas mesmas. A emoção mais perigosa, obviamente, é o amor, conceito que a maioria desconhece e que, quando discutido, é com temor de segredo de estado.

Esta sociedade é controlada pelos Anciões, e entre eles a mais proeminente é a Chefe Elder (Meryl Streep, envelhecida e sem ter muito o que fazer). E ela que escolhe o futuro dos jovens, determinando ainda na adolescência qual será a função de cada um por toda a vida (mais ou menos como verificado no citado Divergente). Tudo segue relativamente bem até que Jonas (Brenton Thwaites) se torna uma incógnita (mesma sina das personagens de Jennifer Lawrence em Jogos Vorazes ou de Shailene Woodley em... Divergente). Sem conseguir decifrá-lo por completo, ele acaba sendo escolhido para uma posição especial: a de Recebedor. A partir deste ponto, o rapaz é encaminhado ao Doador (Jeff Bridges, o melhor em cena, ainda que também com poucas oportunidades) e começa a receber um importante treinamento: ter acesso às memórias da humanidade, conhecimento que pode ser fundamental na hora de tomada das mais importantes decisões.

Há muito a ser discutido em O Doador de Memórias, e não se pode acusar o livro de Lois Lowry de ser raso neste aspecto. No entanto, o diretor Phillip Noyce – que já dirigiu thrillers interessantes como Jogos Patrióticos (1992) e Salt (2010) – parece se contentar em registrar a simples perseguição daqueles no poder na tentativa de conter o jovem que, ao entrar em contato com informações que até então nem imaginava, decide se rebelar para salvar a si e aos seus próximos, lutando, literalmente, em nome do amor (por mais clichê que essa expressão possa parecer, o que de fato o é). O elenco, repleto de nomes estrelados, é metodicamente descartado por um roteiro que não os confere a atenção devida, e se astros como Streep e Bridges ao menos se impõem pela experiência, outros como Alexander Skarsgard, Katie Holmes e Taylor Swift (que aparece por menos de 5 minutos) soam quase como uma distração, tamanha é a irrelevância de suas aparições.

Fracasso de público e de crítica nos Estados Unidos, O Doador de Memórias desperdiça uma boa oportunidade de trazer à tona elementos que merecem ser analisados com maior propriedade, mas que aqui são apenas tangenciados sem o devido cuidado. Sem tempo para desenvolver os personagens, com um campo de visão sempre acomodado e pouco invasivo, que muito pouco revela ao espectador, e com um argumento linear e sem maiores surpresas, o resultado tem efeito apenas em frustrar qualquer expectativa levantada antecipadamente. Previsível em suas resoluções e de pouco impacto junto à audiência, é um filme que não consegue deixar sua marca, assumindo uma posição descartável e de fácil esquecimento. Destino triste mediante às possibilidades apresentadas, mas acima de tudo justo, visto a forma e o despreparo com o qual as mesmas foram abordadas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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