Crítica

Nos idos de 1937, o cineasta mineiro Humberto Mauro, prócere da cinematografia nacional (praticamente desconhecido pela massa) aventurou-se na seara do longa-metragem para falar sobre o descobrimento do Brasil pelos portugueses. Se hoje, com todos os incentivos existentes e meios facilitados de produção, está difícil estabelecer um cinema sólido no país, imagine o cenário há mais de 70 anos, quando o próprio meio ainda tateava suas possibilidades enquanto forma de expressão. Mas que fique bem claro: essa introdução não intenta prestar-se à complacência, pois O Descobrimento do Brasil possui méritos sem régua nas eventualidades de produção.

Por um pouco mais de uma hora, veremos uma espécie de resumo da empreitada dos lusos até a terra de Vera Cruz, história que todos aprendemos na escola, porém sem as nuances além do oficioso. Oscilando entre descrições didáticas e dramatizações elaboradas (estas servidoras de apoio àquelas), O Descobrimento do Brasil quase cai em terreno movediço, uma vez que não ficam claras as intenções do diretor entre o já mencionado didatismo e a construção de um olhar próprio. Curiosamente estruturado tal exemplar mudo, com movimentos de câmera e decupagem intrínsecas aos filmes silenciosos, O Descobrimento do Brasil é sonoro, de poucas falas, é verdade, mas bastante influenciado por sotaques estrangeiros e barulhos da mata. Sobressai-se também, naquilo que concerne ao ouvido, a bela partitura de Villa-Lobos (ele mesmo).

A chegada dos desbravadores marca o melhor de O Descobrimento do Brasil. Passada a fase de apresentação, mais descritiva que argumentativa, nota-se Humberto Mauro, em sua síntese particular, disposto a explorar com afinco o choque cultural existente entre o branco e o índio, por meio da catequização deste último. Após a sedução por meio dos objetos do homem civilizado, o índio tem comprometida sua raiz ancestral, que é maculada de maneira irreversível.

Humberto Mauro aproveita situações, sobretudo a construção de uma gigantesca cruz – e a belíssima cena dos índios a carregando, para situar o descobrimento como instante em que escoa a pureza do homem brasileiro. Dessa maneira, lança olhar amargo sobre esse momento histórico e definidor do paraíso onde abundava o pau-brasil, logo excepcional ao extrativismo e ao consequente esmagamento da cultura originária. Não à toa, o conquistador necessita da colônia prostrada ante seus símbolos de dominação. Mudou muita coisa em mais de 500 anos?

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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