Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Buck é um cachorro plenamente acostumado como sua vida de bichinho de estimação de uma família californiana. Todavia, ele precisará entrar em contato com seus instintos mais selvagens a fim de sobreviver à hostilidade de um ambiente como o Alaska, Será ele capaz de se tornar o grande líder da matilha?

Crítica

Uma jornada de superação similar em tom às produções edificantes pelas quais a Disney ficou marcada nos anos 1990. O Chamado da Floresta é aquele tipo de filme que mostra a persistência como o principal motor da felicidade. A mensagem é tão descaradamente prevalente sobre qualquer outro elemento que o cineasta Chris Sanders passa muito batido pela configuração social dos Estados Unidos na chamada Corrida do Ouro, período em que a escravatura, por exemplo, ainda vigorava no território estadunidense. Assim, quando a história começa no Sul, com Buck, cachorrão dado a fazer estripulias e criar problemas, é possível perceber, de leve, nas bordas da ação principal, homens e mulheres negros apartados da festança dos brancos. Adiante, o animal, por conta de um golpe do destino, vai parar no Alaska, é “empregado” pelo personagem interpretado por Omar Sy. O fato do novo dono ser um negro canadense livre não gera maiores comentários sobre esse contexto.

Atendo-se ao básico dessa coletividade aglomerada em torno de um movimento incessante de exploração visando riquezas escondidas no solo e nos rios, O Chamado da Floresta fica martelando no processo de transformação pelo qual passa o cachorro-protagonista. Demora até nos acostumarmos com os animais criados em CGI, opção que acaba conferindo uma perspectiva bastante artificial ao filme. Uma vez assimilado esse estranhamento, é possível desfrutar da trama sem tantos incômodos e sobressaltos, ainda que, vez ou outra, seja gritante a diferença de movimentos ou a integração dos elementos digitais com a paisagem real. A técnica vacila também ao apresentar personagens de carne e osso evidentemente “colados” num cenário existente apenas por força da ação dos profissionais de pós-produção. Até mais ou menos metade do longa, Harrison Ford é uma presença esporádica, pouco para quem é utilizado pelo marketing como chamariz.

Buck precisa, gradativamente, atender ao chamado da sua natureza, não sem antes mostrar uma nobreza que o destaca de todos os demais seres vivos na telona. O Chamado da Floresta desperdiça alguns potenciais emocionais, como a dinâmica da matilha liderada pelo protagonista, bem como a força obtida pelo animal para sobrepujar a tirania do antigo dianteiro entre os que puxam o trenó. Se trata, basicamente, de uma consecução de lições de moral somadas burocraticamente, num repertório que dispõe calculadamente perdas pontuais para que o conjunto supostamente ganhe tonalidades mais graves. Quando Ford é, de fato, alinhado como companheiro de Buck, confere alguma intensidade dramática ao enredo, mas é o tipo de semente que não sobrevive nesse solo tão arenoso, bem mais composto de curvas paralela e supostamente inspiradoras do humano e do animal que necessariamente de eventuais engrenagens e/ou circunstâncias mais ambíguas.

O Chamado da Floresta é para atender integralmente à família. Portanto, faz concessões demasiadas para encaixar em seu público-alvo uma gama variada de perfis. Tem doses de aventura, elos afetivos nascendo em logradouros improváveis, rupturas tão inevitáveis quanto a sobressalência da natureza dos seres vivos, tudo encaixado com displicência e falta de inspiração. Curiosamente, Harrison Ford desempenha dois papeis distintos. O primeiro é John, sujeito entristecido que encontra amparo no cachorrão cada vez mais ciente de sua vocação à liderança. O segundo é o narrador, figura onisciente que fala da história como se a mesma fosse passada na condição de ensinamento a várias gerações, simbolizando a imprescindibilidade da busca pela essência escondida. Seja pelos ruídos contidos na convivência técnica entre a realidade e a mimese digital ou pela enorme inocência de uma trajetória moldada de modo esquemático, com ocorrências surgindo enquanto tarefas a cumprir, o filme acaba tendo um gosto de comida requentada, além de um ritmo penoso e cansativo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Lucas Salgado
4
MÉDIA
3.5

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