Crítica
Primeira realização cinematográfica do cantor, agora também diretor e roteirista, Alex Anwandter, Nunca vas a estar solo possui um caráter universal, mesmo sendo uma produção ambientada no Chile, que reflete as particularidades sociais e políticas do país latino-americano. Essa universalidade está exatamente nos temas que ela tangencia, caros a diversas nações e cidadãos. Em primeira instância, se desenvolve um enredo que desbrava a problemática da homofobia, e, em segunda, mas não menos importante, são abordadas questões polêmicas que envolvem a impotência do Estado e o cinismo da sociedade.
Tratando da história de um pai e de seu filho, a produção traz tramas inicialmente apenas coexistentes por trabalharem metaforicamente uma ideia de Chile antigo (representado pelo pai) e um Chile novo (representado pelo filho), que adiante se entrelaçam. Juan (Sergio Hernández) é o gerente de uma fábrica de manequins que sonha se tornar sócio dessa empresa onde trabalha há 25 anos. Seu patrão é um falastrão que só o está enganando, dizendo que ele é praticamente sócio do negócio. Paralelamente, Pablo (Andrew Bargsted), filho de Juan, é um jovem descobrindo sua sexualidade. Ele se traveste e dubla algumas canções, além de manter um caso secreto com Felix (Jaime Leiva), sobrinho da vizinha.
Adwandter colide esses dois mundos autocentrados para suscitar problemáticas maiores quando Pablo é atacado no seu bairro por uma gangue de moleques e pelo próprio Felix. A motivação do ataque é claramente a figura andrógina de Pablo, mais precisamente, sua homossexualidade. Com o filho desfigurado e em coma, sendo vítima de um ato claramente homofóbico, Juan se vê frente à desconstrução de seu mundo. Precisa encarar que Pablo é gay, que seu chefe está tentando passá-lo para trás e que o plano de saúde o deixou sem condições de dar continuidade ao tratamento do filho. Aos poucos o diretor torna sua trama ainda mais agonizante, na medida em que aumenta a possibilidade dos agressores saírem impunes. O que não deixa de ser um reflexo da realidade que assola diversas nações, inclusive o Brasil, terras sem leis que tornem criminosos esses atos violentos e discriminatórios.
A inteligência da direção avança do roteiro à fotografia, elemento que, mesmo um tanto limitado, consegue destacar a falta de empatia de Felix por Pablo e a problemática dessa relação fadada ao desastre. Durante as cenas de sexo entre os jovens, o único momento em que notamos algum tipo de encontro dos dois, o rosto de Felix não é filmado, sendo cortado do quadro ou aparecendo na penumbra, tapado por um capuz. É um ato estritamente violento e distante, não há romance ou envolvimento. Porém, encantado pela paixão juvenil, Pablo, por sua vez, cria um vínculo amoroso sem notar que, infelizmente, ele não é recíproco. É inteligente a forma como Adwandter constrói Felix, como seu semblante começa a ser conhecido apenas quando Juan sai em busca de respostas pelo crime cometido contra seu filho.
Vale lembrar que a história é livremente inspirada no caso de Daniel Zamudio, jovem muito próximo de Adwandter, que foi morto por uma gangue em 2012, vítima de um crime homofóbico. O episódio paralisou o Chile e colocou em pauta a necessidade de uma lei que protegesse minorias e sua livre expressão. Nunca vas a estar solo é um filme primordial por trazer reflexões a respeito de um fator tão básico que é a justiça, e questionar o preconceito. Afinal, esse Chile violento, de prejulgamentos e repleto de discursos e atos de ódio, é, se deixarmos e não agirmos, não muito diferente de nosso país.
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