Crítica

Uriel (Lior Ashkenazi, de Casamento Arranjado, 2001) é um professor no auge da carreira. Reconhecido pela Academia, tem publicações elogiadas pelos colegas e é querido pelos alunos. Somente uma pessoa parece não estar satisfeita com tamanho sucesso: seu pai, Eliezer (Shlomo Bar Aba). E isso porque o filho escolheu a mesma linha de pesquisa a qual há mais de 30 anos tem sido objeto de estudo paterno, porém com um viés diferenciado, tornando-o mais acessível e, justamente por isso, popular. O que o mais velho encara com desprezo, o jovem percebe como sinal dos tempos e facilitador de um processo que, no entanto, segue sendo extremamente específico e altamente qualificado.

A difícil relação que existe entre eles fica ainda mais complicada quando Shkolnik é anunciado como o premiado do ano do governo federal pelos esforços acadêmicos que há anos desenvolve. A questão é que aquele que deverá ser reconhecido de fato é o filho, mas o que acaba sendo comunicado por engano é o pai. A confusão dos nomes irá gerar situações ainda piores, com constrangimentos mútuos, recusa do ministério em desfazer a trapalhada e negativa do jovem em assumir a vitória, pois teme o que poderá acontecer com o próprio pai se tal felicidade lhe for retirada.

Eliezer sempre esnobou a Academia que agora – ainda que equivocadamente – irá prestigiá-lo. Há anos vinha se candidatando a este mérito, tendo seus esforços para tanto sendo sistematicamente recusados. A questão é muito mais política do que pelo valor do seu trabalho. Picuinhas e egos inflamados revelam muito mais a respeito destas pessoas – aqueles que votam e os que são aplaudidos – do que suas descobertas e conclusões. Enquanto isso, Uriel, que buscou a vida toda se manter à parte desse tipo de discussão, terá agora que lutar entre a honra pessoal ou a manutenção de uma imagem familiar. Deve ele assumir suas conquistas ou abrir espaço para aquele que a vida toda lhe fez sombra, ainda que intimamente não se sinta dono de nenhum débito?

Este circo está armado no centro da ação de Nota de Rodapé, longa israelense indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2012. O roteiro e a direção é de Joseph Cedar,  que já havia concorrido ao prêmio máximo do cinema mundial com o drama de guerra Beaufort (2007). O tom dessa vez, no entanto, é diferente, e ao invés de focar nos dilemas íntimos de bravos guerreiros frente à inutilidade dos conflitos armados, ele propõe outro tipo de discussão, revelando que os bastidores intelectuais podem ser tão ou mais sangrentos do que aqueles registrados em grandes embates nacionais.

Nota de Rodapé foi o longa mais premiado de 2011 em Israel, tendo ganho 10 das 13 indicações que recebeu na premiação da Academia Israelense de Cinema, entre elas como Melhor Filme, Direção, Ator (Bar Aba) e Ator Coadjuvante (Ashkenazi). Foi reconhecido ainda como Melhor Roteiro no Festival de Cannes e eleito um dos cinco melhores filmes estrangeiros do ano pelo National Board of Review, nos Estados Unidos. Méritos mais do que justificados de um trabalho merecedor de muitos aplausos, que conquista por sua visão cínica e crítica da realidade, porém nunca desrespeitosa. Uma grande obra, que não deve se contentar como mera notificação de final de página entre os preferidos de qualquer cinéfilo ou mesmo apreciador do bom cinema que se preze.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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