Crítica

O olhar perdido de Gabriele Tinti diz muito sobre Noite Vazia, grande filme dirigido por Walter Hugo Khouri. Seu personagem, Nelson, não encontra felicidade em nada nem ninguém, muito menos nas noitadas de fugazes relacionamentos e festas chatas em que embarca com o amigo Luisinho, o bom vivant que esconde sua não menos latente melancolia por trás da confiança que o dinheiro falsamente proporciona. Eles vagam a esmo por uma São Paulo petrificada, de jovens sedentas por amor e algo mais, enquanto mulheres de meia idade se resignam com a busca desenfreada de seus maridos por sexo extraconjugal.

Lá pelas tantas, numa das muitas cenas que deflagram o processo de deterioração estrutural das figuras dramáticas que eles encontram, Lusinho e Nelson conhecem duas prostitutas, e com elas embarcam numa madrugada de sórdidos solilóquios e procuras esvaziadas. Transar não é o bastante, os homens querem experiências que os tirem do marasmo, ao passo que às moças cabe o papel de atração, fardo que ganha peso à medida que detectamos nelas suas próprias expectativas. A beleza exuberante e a altivez de Odete Lara servem perfeitamente de veículo para a pose de Regina, mulher da vida, que é feita rígida por esta bandida. Por sua vez, a introspectiva Mara ganha contornos de infinita tristeza nos olhos grandes e profundos de Norma Bengell.

Noite Vazia sugestiona constantemente um parentesco com o cinema de Ingmar Bergman, provavelmente o cineasta que mais se irmanou à dor de seus personagens. Tal qual o sueco, Khouri utiliza closes ou primeiríssimos planos para mostrar-se próximo das criaturas, além de sustentar o rosto e os olhos como refletores das mazelas mais recônditas. O estado de suspensão e tédio a que é submetido o quarteto durante o vácuo da noite paulistana, representa bem os dilemas do humano sempre à procura de razões e motivos suficientemente fortes para seguir adiante. Como máscaras inanimadas, continuam os quatro ao amanhecer, sem muito a dizer e acrescentar. Não negam a próxima tentativa, provavelmente noutra noite transitória, em que elas continuarão a ganhar a vida, e eles a exacerbá-la. Nada aparentemente muda, a não ser a consciência crescente da inocuidade das jornadas sem fim.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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