Crítica

O músico australiano Nick Cave certamente tem seu nome assegurado como um dos grandes na história do rock. Seu estilo peculiar, tanto musical quanto pessoal, é de importância grandiosa no cenário mundial. Chegando aos 58 anos, Cave mantém seu projeto mais duradouro, o Nick Cave and the Bad Seeds, com o qual alcançou alguns dos grandes momentos de uma carreira que se mantém ativa até hoje.

E é com o intuito de pincelar esse perfil de forma nada comum que os diretores Iain Forsyth e Jane Pollard nos guiam pela trajetória de Cave, repleta de extremos e reflexões em Nick Cave: 20.000 Dias na Terra. Traçando um roteiro através de um dia na vida do cantor, assistimos como voyeurs à troca de experiências que se dá enquanto é gravado o seu mais recente álbum, Push The Sky Away, para em seguida a produção ser tomada por momentos surreais, trazendo participações especiais de pessoas que tiveram relevância na carreira do músico ou ainda que foram influenciadas por seu estilo. Tudo muito bem traçado pela narração do cantor.

A ideia do documentário de Forsyth e Pollard é flertar com a ficção e com todas as histórias criadas em volta desse ícone que Cave foi e que ainda é. Sendo um retrato íntimo de seu processo artístico, de suas vivências e de sua vida familiar. É uma forma de encará-lo de modo mais ordinário, simples... longe daquele mito criado pela mídia e pelo próprio astro, sem perder a sua importância, genialidade e a estética sombria que perpassa seus dias desde a infância.

Movimentando-se com seu carro durante esse dia da narrativa, em muitos momentos o pensamento de Cave ganha espaço. Com isso, entram participações que representam com eficiência suas várias personalidades. Tanto que uma “carona” que Cave dá em seu carro é para a cantora, e também australiana, Kylie Minogue, ocasião em que ela o compara a uma grande árvore de galhos longos quando se apresenta no palco, se configurando como um verdadeiro ímã de atenções. Minogue vem representar na narrativa, de forma pontual, as musas que tanto pavimentaram um pouco da estrada de Cave. A cantora foi uma das diversas musas do artista no seu processo de criação de um dos álbuns mais icônicos e importantes dos anos 1990, o Murder Ballads, no qual o cantor e compositor se debruçava e musicava diversos crimes de paixão, trazendo como convidadas, além de Minogue, também artistas como PJ Harvey e Shane MacGowan.

Bem longe de buscar um didatismo ou ainda uma estética comum de documentário, com o velho e decadente formato de entrevistas, em 20.000 Dias na Terra tudo é colocado de forma orgânica e fluída frente às câmeras, com muitas colagens, vídeos e experimentalismo. É um documentário que flerta com a videoarte em determinados pontos, mas que é muito bem criado e fundamentado em uma estrutura ficcional. A construção de um Cave artístico e imerso em seu processo chega a se referir suavemente à figura de um Marcelo Mastroianni em 8 ½ (1963), de Fellini. Perturbado e genial.

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é graduado em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas (RS) e mestrando em Estudos de Arte pela Universidade do Porto, em Portugal.
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